Rute Ferreira e Filipe Balbino, respetivamentee Business Advisor na Havas Media e Head of Digital da Arena Media, notam em entrevista conjunta ao TNBI que o comércio tradicional ainda tem um grande peso em Portugal quando comparado com o comércio eletrónico. No entanto, mas marcas estão a fazer o seu caminho e, nesse percurso devem olhar para as redes sociais como mais um canal de venda e não tanto como concorrência à loja física e ao site.

Embora reconheçam que os novos métodos de pagamento podem catapultar as vendas online, acreditam que este tipo de comércio só irá explodir quando se verificar maior rapidez na entrega, no atendimento e na resposta às reclamações.

Rute Ferreira e Filipe Balbino acreditam que num mundo dominado por grandes players, as startups conseguem conquistar espaço, porque são capazes de explorar nichos onde outros não entram. E o ponto de partida não tem mistério: há que desenvolver um bom site, ter uma boa navegação, a ajuda de um influencer — que influencie mesmo — e dos social media, além de bons conteúdos.

Quando olham para o futuro próximo, antecipam que a automação ditará as regras. Porque o utilizador não se esgota na primeira compra, é um ativo que tem de ser trabalhado e a automação permite isso e, depois, porque permite saber o que compram, quando compram e quando vão precisar de reabastecer, antecipando as suas necessidades.

No último trimeste de cada ano registamos sempre um aumento no e-commerce, fruto do Natal e de iniciativas como a Black Friday. Já têm dados do ano de 2019?

Filipe Balbino (FB): Estamos a falar de um crescimento de 17% [neste período]. É um crescimento que acontece todos os anos. Há um contexto: estamos na cauda da Europa na penetração do e-commerce. Temos uma penetração de internet de 75% enquanto na União Europeia são 83%. E quem declara que faz compras online são apenas 50% dos consumidores, contra 79% na UE. Há um caminho grande ainda a percorrer em Portugal. A nível global, os estudos dizem que Black Friday e o Natal batem recordes, incluindo no e-commerce. É recorde atrás de recorde.

Como lê a curva entre comércio tradicional e o eletrónico?

Rute Ferreira (RF): O comércio tradicional ainda tem grande peso em Portugal, mas as marcas estão a fazer um caminho de aproximação [ao digital]. Estar numa loja física e estar no online tem sido uma preocupação, mas a tendência ainda está longe do desejado. Estão a ser dados passos nesse sentido.

Prevê-se que o último ultrapasse o primeiro? Se sim, têm alguma previsão?

RF: Ainda estamos muito longe desse panorama. Temos muita coisa para fazer no digital e o e-commerce tem que evoluir bastante para conseguir ultrapassar o comércio tradicional. Em termos globais estão a ser feitas experiências: algumas marcas procuram trazer a experiência do online para a loja física. Na China, uma marca da cosmética está a trazer o gamming para dentro da loja, integrando-o na experiência de aquisição do produto. Mas é um ato isolado.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Como é que se transporta a experiência do online para a loja?

RF: A exigência dos próximos tempos é que essa experiência [de compra] seja cada vez mais autêntica e relevante para o consumidor.

Falaram em experiências. Há as traumáticas. Por exemplo, entre o ato da compra e o recebimento do produto, por vezes, demora mais do que o esperado, o que retira o impulso da compra. Como é que se pode mudar isso? Com alterações no shipping — drones, por exemplo —, com a Inteligência Artificial ou recorrendo a fintechs e à soluções de pagamento digitais?

(FB): Os métodos pagamento são uma questão de confiança [e podem traduzir-se em] mais compras do consumidor online. Mas em Portugal, a motivação é preço. Já a nível global, a motivação é poder fazer compras e ter entregas 24/7. No entanto, em Portugal temos um centro comercial em cada esquina onde é muito fácil ir até à meia-noite. Neste caso se a motivação é o preço, acresce a isto a experimentação. Os players que têm os dois canais — loja física e online — podem criar sinergias e melhorar a experiência do consumidor. E é aí que as marcas estão a adaptar-se: comprar online e levantar na loja, por exemplo. Localmente, é pensar como entregar mais rápido antes de pensar em drones.

Já acontece tudo dentro de uma rede social. Da descoberta do produto ao atendimento pós-compra, como o Instagram Shopping. O Facebook está em vias de criar uma criptomoeda. Poderemos falar da afirmação do social e-commerce? É uma nova vida ou um complemento do e-commerce?

RF: É um complemento do e-commerce. Faz parte do ecossistema e é um dos pontos de contacto com o utilizador. As marcas têm que estar preparadas para não perder o utilizador e redes sociais são um desses pontos de contacto. Mas no social media ainda há caminho a fazer. A criptomoeda do Facebook ainda não é uma realidade, teremos a questão legal e não sabemos como será. Mas não podemos ignorar as tendências. Se houver massa crítica e credibilidade, pode avançar. Um dia, quem sabe, entramos numa loja e temos a opção de pagar por MBway, cartão ou escolher a moeda — inclusive criptomoeda — com que queremos pagar.

Atualmente, conseguimos no estrangeiro comprar bilhetes de avião via chat do Facebook; em Portugal ainda não é possível. Queremos caminhar para aí, trazer esse facilitismo e relevância para a vida do consumidor, que fará com que tudo se desenvolva. As pessoas querem rapidez no serviço, na entrega, na logística, no atendimento e nas reclamações e enquanto não tiverem a confiança nessa área, não haverá esse desenvolvimento.

O crescimento das compras dentro das redes sociais não irá implicar uma diminuição das compras em outras plataformas ou canais online, como os sites? Não canibaliza?

RF: Não devemos fazer só social media. Quando apareceu o Facebook as marcas perguntaram se deveriam abandonar o site. Não. O site fica. É mais um ponto de contacto. Temos que encontrar várias formas [de contacto], e a pesquisa [via motor de busca] continua a ser relevante. Muitas vezes os clientes entram na página de Facebook pela pesquisa. Temos que estar preparados para encontrar o consumidor de todas as formas e não afunilar num só canal porque, caso contrário, estamos a perder oportunidades de negócio.

Ainda sobre redes sociais. O que preveem para 2020 no que diz respeito aos influencers?

FB: Continuam a crescer. E têm muito por caminhar em termos de maturidade. Seja pela forma como se comunicam determinados produtos, se é mais natural ou não, se está dirigido ao target. Por outro lado, também tem de se controlar temáticas sensíveis, como por exemplo os likes falsos no Instagram. Quando uma área se desenvolve, com ela surge sempre um lado negativo e que tem de ser estancado.

Mas é indesmentível que um post tem uma clara influência no crescimento do produto A, B ou C?

FB: É uma área com potencial em e-commerce. Por exemplo, há marcas (como a Prozis) que exploram bem isso. Há potencial desde que sejam bem escolhidos os influencers e desde que as marcas conheçam bem o target. Há personalidades, que, devido ao seu nível de influência, conseguem que os seus vídeos sejam vistos até ao fim e os produtos são comprados. Mas temos casos em que os influencers estão com a marca A, B ou C que são concorrentes. Para que funcione, tem de haver uma estratégia por detrás. Agora, o potencial está lá.

"O digital e o e-commerce vão mudar a forma como as pessoas interagem com serviços"

Que produtos é que ainda não estão à venda online e que se podem reinventar? E em que setores se espera que cresçam? Farmácias? Supermercado? Indústria automóvel?

RF: Por exemplo, já se procura oferecer ao cliente a experiência de andar de carro sem sequer este se sentar na viatura. Podemos colocar óculos 3D e sentimo-nos dentro do carro. Através do digital, conseguimos trazer para a vida de uma pessoa uma experiência.

FB: O setor da compra direta – automóvel - é um setor mais tradicional, tanto pela especificidade, como pela dificuldade na entrega do produto. Mas há anos que se criam experiências sem se estar no carro. A compra em si, vai acontecer, mas demora tempo.

"Uma startup tem que ter um bom site, uma boa navegação, uma boa campanha no Google, trabalhar com influencers, ter social media e os conteúdos são importantes."

E farmácias?

RF: Não está no mindset do consumidor, mas, se recuarmos uns anos, não era palpável a questão de o almoço ser levado às empresas. Com as farmácias é uma questão de tempo. A indústria do combustível poderá mudar também. Nós, hoje, vamos até à bomba de combustível. Quem sabe se, daqui a uns tempos, não é a bomba que chega até nós? Não podemos dar como certo que o mundo de hoje será o mesmo daqui a três ou cinco anos. E esta questão do digital e do e-commerce mudará a forma como as pessoas interagem com serviços.

Que desafios identificam para as pequenas empresas e startups no comércio eletrónico? Como conseguem debater-se com as grandes empresas. Que conselhos podem dar?

RF: Qualquer marca que se aventura no e-commerce tem que preparar o seu caminho e ter um produto que capte a atenção. Mas a forma de comunicar online está disponível para todos, grandes ou pequenos. Muitas vezes, os gigantes têm que combater os negócios locais no Google, pequenos negócios que já têm histórico no Google.

Uma startup tem que ter um bom site, uma boa navegação, uma boa campanha no Google, trabalhar com influencers, ter social media e os conteúdos são importantes, o engagement com consumidor para ganhar a atenção. Depois há o marketing. Se a compra foi positiva, a startup consegue a fidelização. Há espaço na internet.

A estratégica está à vista. [Importa perceber] como vou ter o meu site, fazer o estudo de mercado sobre o consumidor, entender o comprador e o que ele pesquisa online, o que o atrai e pôr o algoritmo a trabalhar em prol disso.

E não obriga a um grande investimento?

RF: Quem se quer lançar em termos de e-commerce tem que estar preparado em relação a coisas básicas: SO, navegação, site, mas não são investimentos por aí além.

FB: Não são só os gigantes que desenvolvem tecnologia de automação. Uma área que cresce no e-commerce é o pet [animais]. Não há um grande retalhista que domine esta área que está a ser dominada por pequenas startups. Têm uma entrega mais rápida, mais especialização e oferta de produtos. Dou um exemplo: a Barkyn tem aconselhamento, fazem estimativa do tempo de duração da ração e criam uma experiência que muitas vezes falha nas grandes marcas. Os grandes retalhistas querem entrar nesta área de negócio, mas que está a ser dominado por pequenos players exclusivos no online.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Haverá um dia em que deixaremos de falar em compra eletrónica e passaremos a dizer só compra?

RF: Espero que sim. Hoje ainda se diferencia a compra online da tradicional. Mas temos feito um esforço para falar só em compras. Já não dividimos a comunicação offline e online. Existe a comunicação. As marcas olham para o consumidor como um só canal.

E o consumidor como olha para a marca?

FB: O consumidor olha para a marca como uma marca só. E as marcas têm de se apresentar ao consumidor como uma só e comunicar de forma integrada para aumentar as vendas num todo. Queremos que as marcas e os negócios dos clientes cresçam. E os objetivos têm que estar alinhados [independentemente da plataforma de venda]. Muitas vezes, o online dá grande suporte nas lojas físicas. Isso tem que ser potenciado e trabalhado. Não podem ser objetivos diferentes, porque há concorrência interna.

Quais as grandes tendências em 2020?

FB: A automação. Na Amazon, por exemplo, com a ajuda da automação, quem coloca o produto no carrinho de compras não o abandona, ou já há pouco abandono — pelo contrário, há muito abandono em muitas lojas. Aqui foram utilizadas pequenas mecânicas para reduzir a taxa de abandono, por exemplo.

Há que segmentar os utilizadores, ver o que lhe pode interessar. O utilizador não se esgota na primeira compra. É um ativo que tem de ser trabalhado. [A automação] permite ver [o que os utilizadores] compram, [perceber] quando vão voltar a precisar e [antecipar] o que vão necessitar — mesmo quando estes se calhar ainda nem sabem do que necessitam.

A beleza da experiência no online é o facto de permitir criar mecânicas de experimentação. Há caminho por aqui no curto prazo. No longo prazo, podemos estar olhar para a entrega por drones ou para a pesquisa por voz. É um paradigma diferente.

A caixa de chat é explorada hoje de forma rudimentar. [A experiência] não se esgota em ter um robot a responder. Tem de haver um misto de personalização. Por exemplo, no caso da compra de um vinho, saber qual é o ideal para acompanhar determinado prato. Na informação mais detalhada tem de haver um toque humano. Isso faz parte da automação. As plataformas como o Messenger têm de começar a ser olhadas de forma diferente.