O inicio da pandemia global que vivemos há cerca de ano e meio teve efeitos imediatos no setor da alimentação, sobretudo no que diz respeito à restauração que se viu forçada a fechar portas e, tendo já a possibilidade de reabrir, tem que o fazer com algumas limitações.
De acordo com um estudo recente do TheFork mais de 85% dos inquiridos referiram que a pandemia mudou a forma como consomem as suas refeições. O mesmo estudo constatou que, em vez de jantar fora, 75% dos entrevistados continua a comer em casa em 2021. Esta análise revela ainda que 66% dos participantes indicaram ter utilizado serviços de entrega online, enquanto 78% disseram que vão continuar a usar tecnologias digitais com mais frequência e 92% relataram que continuarão a usá-las mesmo após a pandemia.
Estes números justificam o crescimento e desenvolvimento verificado nas startups de plataformas de entregas ao domicílio — uma alternativa que se tornou relevante num momento em que abrir as portas não era possível. A título de exemplo, só em Portugal, a Uber Eats, no último ano, registou um aumento de vendas em 160% e 130% em número de restaurantes aderentes.
Com restaurantes a ter como única receita as entregas ao domicílio ou através de takeway, surgiram também alternativas ao modelo de negócio das plataformas já existentes — Uber Eats, a Glovo ou Eat Tasty. Assim, foram criadas plataformas com um modelo de negócio diferente, que cobram por mensalidade fixa em vez de comissão por pedido. É o caso das startups eStart4, a WeFood, a Pleez e a Kitch Tech. Neste caso, as refeições são igualmente entregues por estafetas, mas não têm uma plataforma dedicada, as encomendas podem ser feitas diretamente à loja. Defendem que o seu objetivo é apoiar o comércio local e que funcionam mais como uma comunidade do que como um negócio. Esta abordagem permitiu que a eStart4 tivesse o apoio da Junta de freguesia da Misericórdia (Lisboa) para a plataforma DeliverLX da startup eStart4.
Curiosamente, apesar do crescimento significativo destas plataformas, segundo o relatório Foodtech in Europe -2021 da DigitalFoodLab, feito em parceria com a Google Clouds e a Nestlé, em termos de investimento, na Europa, o setor da foodtech [traduzindo à letra: tecnologia dos alimentos] manteve-se forte, mas não aumentou quando comparado com o ano anterior à pandemia, 2019. Na verdade, manteve-se exatamente igual.
Se em 2019, a nível europeu, o top 3 de startups que receberam maior investimento foi atribuído a plataformas de entregas, em 2020, esse top foi ocupado em primeiro lugar, pela Karma Kitchen, uma empresa que transforma espaços industriais em cozinhas para fins comerciais; em segundo lugar, pela Ynsect, que transforma insetos em ingredientes de alto valor nutricional para animais, plantas e humanas; e o terceiro, a Oatly, uma empresa que oferece um produto vegetal (leite de aveia) como alternativa ao leite de vaca.
Em Portugal, segundo dados Startup Portugal/Deal room, a startup com o maior investimento em 2020 foi a Shimejito — uma empresa que desenvolveu uma tecnologia que permite a qualquer pessoa ser produtora de cogumelos e que recebeu, 10,5 milhões de euros de um fundo norte-americano. Já a Sensei, empresa que tem sido notícia na última semana pelo envolvimento na abertura da primeira loja contacteless and cashless do Continente, conseguiu um financiamento de 500 mil euros da Sonae IM (Bright Pixel). A Nutrium, uma plataforma que liga os seus utilizadores a nutricionistas de forma virtual, captou em outubro de 2020 um investimento de 4,25 milhões de euros da Indico Capitals.
Ainda segundo o relatório da Digital Food Lab, até ao final do ano de 2021 as tendências de investimento poderão ser mais acentuadas na produção de insetos e processos que permitam que estejam sejam viáveis para consumo humano, e em tecnologia que permita desenvolver produtos que substituam a carne e seus derivados, através de fermentação ou agricultura celular.
Acredita-se que as grandes corporações possam ter também um impacto no investimento no mundo das startups e apostem em parcerias com startups que desenvolvam produtos de maior sustentabilidade ou que tenham tecnologia que lhes facilite a gestão ou logística. As plataformas de entregas já começam a assinar parcerias para entrega de mercearias e já há cadeias de restaurantes a unirem-se a startups que ofereçam soluções vegetais como alternativa à carne, como a McDonalds que recentemente assinou uma parceria com a Beyond Meat, uma empresa americana de hambúrgueres vegetais.
Muitas pessoas aproveitaram este período de restrições para pôr em prática muitas das suas ideias ou como uma oportunidade para o empreendedorismo, logo, será de esperar que mais ideias disruptivas para os atuais processos ou modelos de negócio venham a surgir nas mais variadas indústrias. A indústria alimentar não será exceção.
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