Desde o boicote imposto por quatro países vizinhos — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito –, há dois meses, “há muitos expatriados a serem despedidos”, mas são operários, que trabalham na construção, oriundos de países asiáticos como Nepal e Paquistão, explica o diplomata, em declarações telefónicas à Lusa, a partir de Portugal.
Ora, os portugueses no Qatar — onde os expatriados representam 90% da população — são trabalhadores qualificados, sobretudo nas áreas de aviação, engenharia, arquitetura e hotelaria, e “bem considerados”, distingue.
António Tânger realça que “o Qatar despertou para Portugal este ano”, havendo “vários investimentos vultosos” em curso ou em avaliação. “Portugal é um país “muito atrativo” para todos os países da região, mantendo “excelentes relações” com “todos”, o que “é notável”, destaca.
Desde setembro de 2015 na embaixada portuguesa no Qatar, o diplomata reconhece que “as primeiras 48 horas a seguir à imposição de sanções foram difíceis, porque as pessoas ficaram angustiadas e a incerteza era muito grande”. Depois “acostumaram-se”, desvaloriza.
“O Qatar continua a ser um espaço seguro. Não penso que, nesta altura do campeonato, se pense em recorrer a qualquer ação armada”, afasta.
Ainda assim, Sofia Rodrigues, 24 anos, não sabe se ficará muito mais tempo em Doha, onde vive há meio ano. “Do ponto de vista salarial, já não é tão vantajoso como se possa pensar”, realça, em declarações à Lusa num hotel da capital do Qatar.
Além disso, o custo pessoal e social de viver no emirado é elevado. “Metade do guarda-roupa está por usar” e “não há grande coisa para fazer”.
Como as relações extramatrimoniais são proibidas, ela e o namorado têm de viver em casas separadas.
“Nunca fiz tantos casamentos como aqui”, comprova o embaixador.
António Tânger realça que o conflito que opõe o Qatar e os vizinhos árabes, assentes sobre gás e petróleo, “tem muito de económico”, mas, na negociação, que prevê “dura” e demorada — “pelo menos seis a oito meses”, estimam os mediadores do Koweit –, os dois aspetos “mais importantes” serão “o apoio à Irmandade Muçulmana”, grupo islâmico radical de origem egípcia, e “a linha editorial da Al-Jazeera em árabe”.
Entre as exigências iniciais para anular o boicote ao Qatar — que o quarteto liderado pelos sauditas acusa de apoiar grupos terroristas e desestabilizar a região — estava o fecho da televisão Al-Jazeera, com sede em Doha, num complexo discreto, de edifícios baixos, partilhado com outras estações locais.
A exigência foi recebida com indignação por defensores da liberdade de expressão, dando origem a uma conferência internacional em Doha, promovida pelo Comité Nacional de Direitos Humanos do Qatar e pela Federação Internacional de Jornalistas.
A conferência de dois dias (24 e 25 de julho) terminou com uma manifestação de solidariedade na Al-Jazeera, que respondeu ao boicote com uma campanha em defesa da liberdade de expressão (#DemandPressFreedom).
“A Al-Jazeera tem duas faces”, salienta António Tânger. O canal em inglês “é uma excelente televisão, de longe a melhor da região”, comparável “às melhores” do mundo.
A Al-Jazeera em árabe “é, de facto, diferente” e “serve, de alguma forma, propósitos políticos, é muito dominada pela Irmandade Muçulmana”, realça o diplomata português.
Ainda assim, os países que desencadearam o boicote “não mediram bem as consequências”, avalia.
“A situação anterior a esta crise nunca mais vai voltar a acontecer. Vamos ter uma outra situação, diferente, e vamos ver qual é que é. Vamos ver como é que se posicionam os vários ‘players’, porque há outros ‘players’, externos”, como Estados Unidos, Rússia e União Europeia.
Outros atores importantes são os que, como a Turquia, estenderam a mão ao Qatar, abrindo canais alternativos de acesso a bens de primeira necessidade. O Qatar “é um país dependente do exterior, importa quase tudo, mas, evidentemente, que há quem queira vender, quem esteja ansioso por exportar (…), só que, eventualmente, a um custo superior”, diz António Tânger.
Para esses mercados, a crise é “uma janela de oportunidade”, nota. “Mesmo os circuitos económicos, depois de a crise acabar, vão ser completamente diferentes”, prevê.
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