O Alentejo assiste nos últimos anos a uma revolução à vista de todos. Um tanto ou quanto silenciosa, ao sabor do tempo, tem provocado uma mudança indisfarçável na paisagem. Uma alteração visual que vai muito para além da esfera agrícola e entra na componente económica, social e demográfica.
Na outrora planície dourada, caracterizada pelo amarelo das culturas de cereais, o olival tem vindo a pincelar o terreno com novas cores. A “culpa” da transformação cromática mora no Alqueva, a tal infraestrutura que durante anos não avançou do plano de intenções e que hoje, edificada e pela rega, alimenta a agricultura e arrasta novos investimentos agrícolas.
Estima-se em “cerca de 300 milhões de euros o investimento total exclusivamente aplicado na plantação de novos olivais”, informou, por escrito, ao SAPO24, Capoula Santos, Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
“São 120 mil hectares de regadio (no Alqueva) em exploração, com expansão prevista de mais 50 mil até 2022”, adiantou José Pedro Salema, presidente da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva).
“Nos perímetros sob gestão da EDIA”, a área global de olival é de “53.749 hectares”, existindo, contudo, pelo menos, “mais 20 mil hectares” de olival moderno na região do Alqueva, referiu ainda Capoula Santos.
É neste quadro de “aumento substancial da área de olival” que a paisagem agrícola da região “transformou-se grandemente”, ajudando a “fixar pessoas no território, gerando emprego e criando riqueza”, destacou Paulo Arsénio, presidente da Câmara Municipal de Beja.
Pedro Lopes, presidente da Olivum, Associação de Olivicultores do Sul, reforça as palavras do autarca. “É ver o desemprego em Beja há 10 anos e agora”. E acrescenta: “Estão a voltar jovens com formação que saíram de Beja”.
“O mais intenso e rápido processo de mudança nos sistemas agrícolas na região do Alentejo ao longo das últimas décadas”
Mas a cultura do olival intensivo e superintensivo não é consensual. A associação ambientalista Quercus, por exemplo, tem pedido publicamente ao governo que não autorize mais olivais intensivos na região. Chama a atenção para o perigo do uso de pesticidas, alerta para danos na biodiversidade e para a necessidade de utilização racional da água.
A produtividade da água é “crucial” alertou a reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas, que defende que “numa perspetiva de gestão territorial integrada” a utilização da área de regadio deveria “ser pensada em articulação com a utilização da área de agricultura de sequeiro”.
Embora reconheçam que o aumento do olival e da produção de azeite representam o “mais intenso e rápido processo de mudança nos sistemas agrícolas na região do Alentejo ao longo das últimas décadas”, Teresa Pinto Correia e José Muñoz-Rojas, investigadores do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora atestam que os sistemas intensivos e superintensivos “são controversos do ponto de vista da sua sustentabilidade, tanto na dimensão ecológica como social”.
Mas há mais riscos. “Do ponto de vista teórico e técnico”, o domínio de qualquer território por uma monocultura deve ser sempre considerada uma “ameaça” seja do ponto de vista “económico” ou “ambiental”, já que “oferece riscos (identificados e estudados por especialistas) a ambos os níveis”, alerta Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA). “É fundamental haver bom senso e informação”, frisou.
Pedro Lopes, da Olivum, associação cujos associados representam mais de 32 mil hectares do olival, afasta receios. “Mexemos uma vez no solo, na plantação, e nunca mais”, garante. “O olival é a cultura com melhor adaptação, menos doenças, menos tratamento”, reiterou. E “um hectare consome cerca de 3000 m3 de água. Igual à vinha. E menos de metade do milho”, compara.
Puxando dos galões de engenheiro agrónomo, José Pedro Salema, sustenta que um “campo de milho tem 20 vezes mais veneno e 10 vezes mais adubo”. Os comentários contra o olival são “motivados por um setor urbano que associou ao Alentejo às planícies de cereais e um chaparro aqui e ali”, disse. E no que toca a consumo de água, o presidente da EDIA vai longe: “comparado com fazer nada, gasta mais”, sustenta em tom lacónico.
“As boas práticas agrícolas, que são obrigatórias, eliminam ou minimizam drasticamente os riscos associados à utilização dos fitofármacos. A utilização de produtos fitofármacos está enquadrada por regulamentação comunitária que observa todos esses critérios”, reforçou Capoula Santos.
“O olival está entre as culturas de regadio menos exigentes em água”, assume, numa resposta por escrito, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV). A aplicação de fertilizantes, diz, “é fracionada, reduzindo ao mínimo os riscos potenciais de lixiviação de nutrientes para os lençóis freáticos”. O instituto destaca ainda que há uma “enorme preocupação em incluir as substâncias ativas mais amigas do ambiente” e que muitos olivicultores têm uma “atitude de grande responsabilidade, destacando-se o enorme aumento da área de olival biológico”. Em suma, refere o INAV, “a utilização racional de recursos está a ser feita visando garantir a sustentabilidade ambiental a longo prazo”.
“O Alqueva é a maior zona agrícola da Europa”
Embora defenda a “diversidade” de culturas, o presidente da EDIA reconhece que o olival, que “representa 55%”, tem produtividade “interessantes com auxílio do regadio”, ideia partilhada pela AAGA e pelo presidente da Olivum.
Pelo Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, na região que “concentra cerca de 70% do investimento em olival no Alentejo”, foram instalados “cerca de 25 novos lagares”, num investimento global de “90 milhões de euros”, frisou ainda Capoula Santos, ministro da Agricultura.
Portugal deixou de depender da importação de azeite e equilibrou a balança comercial. E em dez anos quase que triplicou a produção, tendo ascendido a cerca de 120 mil toneladas em Portugal na campanha 2017/2018. Nesse ano, os olivicultores associados da Olivum, produziram mais de 400 milhões de quilos de azeitona, contribuindo com mais de 250 milhões de euros para o produto agrícola nacional. Na campanha de 2018/2019 apontam, no entanto, “para uma queda” na produção comparada com a anterior, que foi “excecional”.
Álvaro Labella é um dos novos habitantes no Alentejo. Cidadão espanhol diz estar “aportuguesado”. Chegou no ano de 2003. “Vinha para fazer investimento particular. Em 2005 opera-se a transformação do olival. Em 2014 tenho uma empresa de gestão agrícola e passei de 80 para mil hectares, em 10 anos”.
“O Alqueva é a maior zona agrícola da Europa. É tudo novo. A tecnologia e tem os melhores técnicos”, frisa. Embora Portugal produza “3% a nível mundial”, por ser o primeiro azeite a ser produzido, “marca o preço de saída no hemisfério norte”, recorda. “Pequeno, mas uma referência no setor”, defende. “Há que incentivar e não criticar”, argumenta este engenheiro agrónomo, diretor da Olivum, que se orgulha de estar no “meio da transformação”.
Nesta mutação em curso há dois campos que nem sempre conviveram da melhor forma. Falamos de agricultura e património histórico e cultural. Embora reconheça que o “processo de articulação” dos interesses na defesa do património arqueológico com os interesses de investimento “não se iniciou da melhor forma”, Ana Paula Amendoeira, Diretora Regional de Cultura do Alentejo sublinhou, todavia, que o organismo público está cada vez “mais empenhado em trabalhar em articulação com os agricultores no sentido de garantir a salvaguarda de um património arqueológico que é de todos”.
Um “gabinete único” que sirva de interlocutor entre quem planta e quem deverá pugnar pela preservação de um legado histórico é uma pista dada por Álvaro. Algo que vai em linha de conta com o que é defendido por quem tem de responder pela preservação do património. “Há muitos anos que vem sendo discutida a possibilidade de se criar uma plataforma para o regante ou até para o agricultor, de modo a que sejam consultadas todas as entidades com interesses relevantes na pretensão”, referiu Ana Paula Amendoeira.
“Querem ver plantação moderna? Venham a Portugal”
Miguel Portela Morais, advogado de Lisboa, começou com investimentos “em 2002”. Ao todo, hoje, tem “635 hectares de olival novo”. Em relação ao investimento, Portela Morais defende que se em Espanha “viram potencial”, de seguida e em ato contínuo “os investidores portugueses foram atrás”, revelou.
Na companhia de Álvaro Labella, na qualidade de cicerone numa incursão pela margem esquerda do Guadiana e pelo Alentejo profundo, mostra a transfiguração paisagística, da outrora aridez para o verde. “A revolução é na terra e na forma como se chega à transformação”, rematou o advogado.
A imagem da tradicional vara a abanar a oliveira na apanha da azeitona faz parte de um arquivo histórico de memórias. Ali, naqueles campos de ruas largas, com árvores milimetricamente alinhadas, sobressai a máquina. “100 hectares podem empregar 25 pessoas no olival intensivo. O outro emprega menos gente porque entra a máquina”, sustentou.
Filipe Cameirinha Ramos, junta-se à conversa. Recorda que o negócio principal da família era “a hotelaria” e o “setor automóvel”. A aquisição da Herdade Figueirinha, em 1998, na altura tendo por base “o girassol e o cereal”, marca uma mudança de paradigma nos investimentos feitos.
Poucos anos depois, no início do século, com a plantação de “vinha e olival (2001)”, a construção da adega (2003) e lagar (2006), trilha um novo rumo. “Desinvestimos no negócio do meu avô (automóveis) e investimos na agricultura. Um investimento e que é feito no auge da crise”, recordou.
Não se arrepende. Hoje, empregam “50 pessoas”, colocam, entre vinhos e azeites “15 marcas no mercado” e exportam “do Brasil ao Japão”. Em relação à cultura do olival, “nos 230 hectares”, é feita “com 500 mil cuidados”, referindo que “mexe na terra no primeiro ano e não mexe mais”, afastando as críticas de utilização de pesticidas. Tenho matéria orgânica o que é maior indicativo na terra que as coisas vão bem”, atirou. “Tenho minhocas”, exclamou.
“Não são só projetos grandes. Há muitos com 15 hectares que começam a crescer”, anunciou Pedro Lopes, presidente da Olivum. “Querem ver plantação moderna?”, questiona. “Venham a Portugal e ao Alentejo”, lança o repto. “A revolução não terminou e vai continuar”, prometeu.
“Quando andamos pelo campo e olhamos para o olival plantado, eu olho para o que falta plantar”, concluiu Álvaro Labella.
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