“Infelizmente estão muitas coisas a condicionar para isso, desde logo a inflação, e, portanto, pensamos que provavelmente o setor não vai estar imune”, afirma José Galamba de Oliveira, em entrevista à Lusa, que em março tomou posse para o terceiro mandato de três anos frente à associação que representa as empresas seguradoras.
Segundo o responsável, a taxa de inflação tem efeitos positivos no lado dos investimentos das seguradoras (por via da taxa de juro), mas também está a colocar "uma pressão brutal" na componente de custos das seguradoras.
No caso dos acidentes automóvel, exemplifica, hoje em dia regularizar um sinistro automóvel tem, em alguns casos, aumentos de custo de 20% e 30%, acrescentando que esse encargo extra não está ainda refletido nos prémios que os clientes de seguros pagam.
"Há aqui, de facto, uma pressão muito grande na rentabilidade das seguradoras em que para acomodar esta inflação temos que o fazer [subir prémios]. Temos que gerir com muita atenção”, afirma Galamba de Oliveira.
Também nos seguros de saúde, disse, estão a aumentar os custos, desde logo pelo aumento nos tratamentos porque as pessoas chegam mais tarde ao hospital (em 2020, com a crise da pandemia da covid-19 adiaram-se muitas consultas, exames e tratamentos) e muitas doenças agravam-se e os tratamentos ficam mais caros. Também a inovação técnica encarece os tratamentos.
Há ainda outros fatores a influir nos custos dos seguros de saúde como o aumento dos salários.
“Uma boa parte das pessoas que estão a trabalhar nos hospitais têm salários indexados ao salário mínimo (pessoal operacional, limpezas) – infelizmente é a realidade – e os aumentos do salário mínimo, que eu percebo que são também precisos, colocam um custo adicional para os hospitais privados que obviamente se fazem refletir nas seguradoras”, explica.
O presidente da APS diz que as seguradoras tentam contornar esses custos para “minimizar o impacto” nos clientes, através de "mais eficácia, mais eficiência e produtividade", mas admitiu que também os seguros de saúde deverão ficar mais caros.
Já em dezembro do ano passado, o supervisor dos seguros (ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) alertou para o impacto do contexto económico e social nos ramos de seguros de doença e automóvel, indicando que poderia existir “um agravamento futuro”.
Assim, admite que este terceiro mandato "também já se apresenta no início muito desafiante". Primeiro, "porque a pandemia não está, de facto, ainda debelada", por toda a "situação geopolítica no Leste Europeu", ao qual acresce "o tema da inflação" que se agravou. "Isto é, de facto, um ambiente muito desafiante para a atividade económica em geral e o setor segurador, obviamente, também terá aqui os seus impactos", resumiu.
Em 2021, os lucros provisórios das empresas de seguros sob supervisão prudencial da ASF ultrapassaram os 649 milhões de euros (mais de 40% face a 2020) e, das 38 empresas de seguros, 37 apresentam resultados positivos (apenas uma deu prejuízos).
Segundo o presidente da APS, 2021 foi um ano de recuperação, sobretudo no ‘ramo vida’, tendo a produção de seguro direto crescido para 13.350 milhões de euros, mais 34% face a 2020 (ano muito impactado pela crise pandémica).
Por ramos, o 'ramo vida' já recuperou para níveis pré-pandemia (produção de 7.728 milhões de euros em 2021, mais 69% face a 2020), depois de em 2021 ter aumentado de forma considerável a venda de Planos de Poupança Reforma (PPR) e seguros financeiros, considerando o presidente da APS que isso aconteceu porque famílias que pouparam durante o ano 2020 “canalizaram alguma dessa poupança para produtos de seguro”.
No 'ramo não vida', a produção de seguro direto também cresceu, mas de forma mais moderada, num aumento de 5% para 5.623 milhões de euros.
A produção de seguro automóvel aumentou 1,3% para 1.898 milhões de euros, enquanto a produção do seguro de saúde cresceu 8,8% para 1.034 milhões de euros.
Nos últimos anos, o seguro de saúde passou a ser o segundo seguro ‘não vida’ em produção (o primeiro é o seguro automóvel), ultrapassando o seguro de acidentes de trabalho.
Segundo Galamba de Oliveira, há cerca de 3,3 milhões de pessoas abrangidas por seguros de saúde, acima dos 2,2 milhões de 2016.
Sobre o crescimento de 8% no seguro de saúde, disse que, “no cômputo global, o crescimento tem acima de tudo a ver com mais gente que está abrangida, não tanto por um aumento do preço, pois aí também se conseguem algumas sinergias de escala".
Quanto ao seguro de acidentes de trabalho, em 2021, a produção cresceu 6,6% para 965 milhões de euros.
Em 2021 também aumentaram os custos dos sinistros de seguro direto em Portugal. Segundo dados da ASF, os custos dos sinistros subiram 9,1% face a 2020 para 11.658 milhões de euros (no 'ramo vida' aumentaram 12% para 8.269 milhões de euros e no 'ramo não vida' 2,6% para 3.389 milhões de euros).
Questionado sobre fraudes, o presidente da APS diz que as seguradoras têm limitações na partilha de informações pela Lei de Proteção de Dados Pessoais e defende uma lei inspirada nas leis espanholas ou francesas em que “explicitamente para situações de fraude preveem partilha de informação”, ainda que submetida a um conjunto de regras.
“De alguns estudos que vamos fazendo sabemos que existem situações de fraude de alguma dimensão praticamente em todos os ramos (ramo do automóvel, na saúde e até dos acidentes de trabalho) e gostaríamos de ter mecanismos para poder mitigar ou pelo menos reduzir estes montantes de fraude porque, no final do dia, quem está a pagar isto são os clientes”, afirma.
Segundo a APS, atualmente as seguradoras contam com 10.000 trabalhadores, a que se acrescentam mais cerca de 12.000 nos mediadores de seguros, pelo que trabalham no setor segurador cerca de 22 mil pessoas.
Além disso, recorda Galamba de Oliveira que o setor contribui também para muitos empregos em prestadores de serviço, sejam oficinas de automóveis, clínicas, hospitais ou empresas de manutenção, estimando que o ecossistema segurador envolve 30 a 40 mil funcionários.
Os bancos continuam a ser um canal preferencial para a venda de seguros, sobretudo seguros financeiros são maioritariamente vendidos na rede bancária. Já nos seguros 'não vida' o canal preferencial é a rede de mediadores.
"O setor depende de terceiros para distribuir os seus produtos, isso é uma realidade que existe e vai continuar. Não vai haver uma mudança no modelo de negócio", diz Galamba de Oliveira.
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