“Se alguma vez houve uma alteração em que o princípio legal de ‘force majeure’ [força maior] e necessidade foram relevantes, é este”, argumentou o economista norte-americano durante o lançamento do relatório ‘Perspetivas Económicas para África 2021′, que tem como tema ‘Da resolução da dívida ao crescimento: o caminho de África’.

“Quando eventos como este da pandemia acontecem, tem de se reestruturar os contratos, não se pode obrigar as pessoas a honrarem contratos que não têm em conta os efeitos inconcebíveis de uma pandemia, por isso isto é precisamente o tipo de circunstância que os governos nos países avançados usarem em contingências deste género, e é o que deve ser feito de uma forma mais geral”, disse Stiglitz depois de defender que a suspensão dos pagamentos de dívida não é suficiente.

“Ninguém percebeu quão profunda ia ser a pandemia, em abril do ano passado pensou-se que a suspensão dos pagamentos de dívida [através da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida, DSSI] até junho seria suficiente, mas já dura há um ano e percebeu-se que uma moratória não é suficiente, é preciso uma reestruturação”, acrescentou.

Na análise da situação da dívida, que o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) estimou hoje que deverá subir para 75% do PIB este ano no continente, Stiglitz defendeu que os governos não vão aceitar uma reestruturação da dívida que não implique um tratamento similar junto dos credores privados, porque “o objetivo é ajudar ao desenvolvimento de África, não é dar dinheiro para os bolsos dos bancos privados”.

O BAD prevê um crescimento de 3,2% para este ano no continente, depois da recessão de 2,1% do ano passado devido à pandemia de covid-19, estimando que o continente “deve recuperar da sua pior recessão económica em meio século devido à pandemia, crescendo 3,4% em 2021, que se segue a uma contração de 2,1% no ano passado”.

A DSSI é uma iniciativa lançada pelo G20 em abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até dezembro de 2020, que foi depois prolongado até junho deste ano, com possibilidade de nova extensão por seis meses.

Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do setor privado, ao passo que o Enquadramento Comum, aprovado pelo G20 em novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.

O pedido de adesão a este Enquadramento por parte da Etiópia, no final de janeiro, agitou os investidores, que encararam o país como o primeiro de vários países na África subsaariana a pedirem alívio da dívida, o que é também a perspetiva da diretora executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), que antevê que mais países sigam o exemplo do Chade, da Zâmbia e da Etiópia.

A proposta apresentada pelo G20 e Clube de Paris em novembro é a segunda fase da DSSI, lançada em abril, e que foi bastante criticada por não obrigar os privados a participarem do esforço, já que abriria caminho a que os países endividados não pagassem aos credores oficiais e bilaterais (países e instituições multilaterais financeiras) e continuassem a servir a dívida privada.

Este Enquadramento pretende trazer todos os agentes da dívida para o terreno, incluindo os bancos privados e públicos da China, que se tornaram os maiores credores dos governos dos países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos.