“O Parlamento Europeu tem noção de que este é o momento da vossa discussão e reflexão, e nós respeitamos muito o papel do Conselho. De acordo com os Tratados, nós também seremos chamados a pronunciarmo-nos, com um voto. E, sobre este aspeto, sinto-me obrigado a dizer que o Parlamento não vai aceitar um qualquer acordo. Há uma maioria muito larga pronta a rejeitar qualquer proposta que não leve em conta as posições do Parlamento”, alertou, na sua intervenção no Conselho Europeu extraordinário em Bruxelas.

Sassoli dirigia-se aos dirigentes dos 27 Estados-membros na tradicional intervenção do presidente do Parlamento Europeu perante os líderes europeus antes do início formal dos trabalhos do Conselho Europeu, que arrancou hoje à tarde em Bruxelas, em busca de um compromisso sobre o Quadro Financeiro Plurianual da UE para 2021-2027.

O presidente da assembleia insistiu que é fundamental “munir a Europa de todos os meios necessários para fazer face aos desafios” pela frente, “o mais urgente dos quais as alterações climáticas” e sublinhou que, “sem os recursos necessários, o Pacto Ecológico Europeu, a transição digital e a Europa geopolítica serão apenas ‘slogans’ vazios”.

Sassoli também reiterou que, “para o Parlamento Europeu, os cortes propostos na agricultura e coesão são inaceitáveis”.

“Como podemos nós encurtar as distâncias entre o centro e a periferia se reduzirmos os fundos para a coesão, e como podemos nós desenvolver uma Europa ver de não investirmos na agricultura?”, questionou.

O presidente da assembleia europeia defendeu que “é do interesse de todos acabar com esta dicotomia artificial entre contribuidores líquidos e beneficiários”, já que “todos os Estados-membros, sem exceção, lucram com a UE” e “todos colhem grandes benefícios do orçamento europeu e ainda mais do mercado único”.

Os chefes de Estado e de Governo da União Europeia iniciam hoje, em Bruxelas, uma cimeira extraordinária em busca de um acordo sobre o orçamento 2021-2027, mas as profundas divergências antecipam uma maratona negocial com poucas possibilidades de sucesso.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que chamou a si a condução das negociações em dezembro passado, após o fracasso da proposta da presidência finlandesa do Conselho da UE, e convocou esta cimeira extraordinária, está totalmente apostado em garantir um compromisso a 27 sem mais demoras, sendo seu desejo que os líderes permaneçam em Bruxelas pelo tempo que for necessário até ser alcançado um acordo.

Contudo, a proposta de Quadro Financeiro Plurianual para os próximos sete anos que apresentou na passada sexta-feira, e que constitui o ponto de partida para as negociações que têm hoje início em Bruxelas, para já só foi unânime nas críticas que recebeu, tanto dos países ‘ricos’, os contribuintes líquidos, como dos países da coesão, caso de Portugal, e ainda do Parlamento Europeu, pelo que um entendimento afigura-se extremamente difícil.

A proposta de Charles Michel estabelece um orçamento plurianual da UE para 2021-2027 de 1,09 mil milhões de euros, equivalente a 1,074% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) da UE já sem o Reino Unido – quando a finlandesa era de 1,07% -, e continua a contemplar cortes na Política de Coesão e na Política Agrícola Comum (PAC) face ao quadro atual. Para Portugal, esta proposta representa cortes de 9 a 10% na política de coesão e de 12% na PAC, face ao quadro financeiro atual.

A proposta original da Comissão, que já data do verão de 2018, contemplava um orçamento global para os próximos sete anos com contribuições correspondentes a 1,11% do RNB, enquanto o Parlamento Europeu, que já se pronunciou contra a proposta de Charles Michel, considerando-a manifestamente insuficiente, defende contribuições de 1,3% e ameaça mesmo vetar um acordo que julgue insatisfatório.

De um lado, o grupo alargado de países “Amigos da Coesão”, que ainda recentemente esteve reunido em Beja, continua a opor-se firmemente a um orçamento que sacrifique estas políticas.

Do outro, os contribuintes líquidos, e designadamente um ‘quarteto’ formado por Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia — classificados de “forretas” por António Costa durante um debate na terça-feira na Assembleia da República –, continuam a achar que é destinado demasiado dinheiro à Coesão e Agricultura, defendendo antes um maior investimento no que apelidam de “políticas modernas”, mas sem nunca ultrapassar o teto global de 1% do RNB.

À sua chegada à cimeira, o primeiro-ministro, António Costa, reiterou que a proposta de orçamento plurianual da União Europeia “é má”, mas garantiu que negociará com espírito construtivo, e disse esperar o mesmo de todos os Estados-membros, para que seja possível alcançar um bom acordo “assim que possível, e desejavelmente já neste Conselho extraordinário”, seja “hoje, amanhã [sexta-feira], sábado, domingo ou nos próximos dias”.