“Pode ser só um sinal do que não se fez ao longo de décadas em Portugal, mas é o maior investimento público em habitação num período de seis anos”, afirmou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, defendendo uma mudança de paradigma que privilegie o arrendamento em vez da compra e a reabilitação antes da construção.

No âmbito da iniciativa 'online' "PRR em Debate" sobre habitação, o ministro ressalvou que nem todos os problemas habitacionais serão resolvidos, assegurando que este plano dá “um passo de gigante” em relação a uma área em que a administração central, mais do que a administração local, se tinha demitido de assumir responsabilidades há muitos anos.

Destacando o 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, com 1,2 mil milhões de euros para apoiar 26.000 famílias até 2026, Pedro Nuno Santos assegurou que a habitação é uma prioridade para este Governo, referindo que este instrumento de política pública é de âmbito nacional e vai perdurar no tempo, porque as necessidades vão surgindo também ao longo do tempo.

Considerando que hoje as dificuldades no acesso à habitação “extravasam muito a população mais carenciada”, o ministro realçou o apoio à população de rendimentos intermédios, igualmente previsto no PRR, para que o Estado promova habitação “a custos verdadeiramente acessíveis”.

“O Estado é que falhou, por não ter conseguido, numa área que é central, fundamental na vida de cada um, dar resposta a essas necessidades”, avançou o governante, desvalorizando a falha de mercado e lembrando que o parque público de habitação em Portugal representa apenas 2%, o que reflete a ausência de ferramentas e de instrumentos para conseguir dar resposta às necessidades.

Pedro Nuno Santos defendeu ainda que o PRR dá “uma oportunidade única de financiamento” na área da habitação e é “um grande desafio para o país” de o conseguir executar num prazo muito curto, até julho de 2026, financiando a fundo perdido 100% dos imóveis.

Pelo menos os 26 mil fogos previstos no programa 1.º Direito “têm mesmo de ser executados até meados 2026”, reforçou o ministro, acrescentando que o histórico mostra que “é muito difícil” ir além desse objetivo, mas manifestando “boas perspetivas de que o país vai aproveitar este período curto para executar em matéria de habitação aquilo que nunca o país fez nesta dimensão em tão curto espaço de tempo”.

Além da preocupação de responder à população carenciada e à população de rendimentos intermédios, o titular da pasta da Habitação realçou a Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, com 186 milhões de euros.

Através do PRR, o Governo pretende também que o cooperativismo de habitação ganhe um novo impulso em Portugal, com atenção para que “não seja utilizado como expediente para negócios”, em busca de benefícios fiscais.

“Temos de agarrar a política pública de habitação como fomos capazes de agarrar a saúde pública e a escola pública e, se o fizermos, o financiamento não se ficará pelo PRR, quando temos massa crítica suficiente podem ter a certeza que o político ou a política vai atrás”, sustentou Pedro Nuno Santos, acrescentando que as necessidades de habitação da população “são gritantes” e há muito para fazer.

Portugal prevê investir 1,6 mil milhões de euros ao nível da habitação, destacando o objetivo de apoiar 26.000 famílias até 2026, segundo o PRR, que se encontra em consulta pública até segunda-feira.

O Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.

O executivo justifica que, "com base no diagnóstico de necessidades e dos desafios", foram definidas três "dimensões estruturantes" de aposta - a da resiliência, da transição climática e da transição digital -, às quais serão alocados 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido das verbas europeias pós-crise.

Economista considera financiamento na habitação insuficiente e pede regulação das rendas

A economista Ana Cordeiro Santos considerou hoje que o financiamento previsto no Plano de Recuperação e Resiliência para a Habitação “é insuficiente” e defendeu a necessidade de regulação do valor das rendas para combater a especulação imobiliária.

A também investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra foi uma das participantes num debate ‘online’ sobre Políticas de Habitação, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Para Ana Cordeiro Santos o financiamento previsto no PRR para a Habitação (1,6 mil milhões de euros) “é insuficiente” e alguns dos instrumentos mobilizados “não são os mais adequados”.

“Dado o nível de crise e precariedade habitacional, o investimento é claramente insuficiente, que se revela nos objetivos quantificados que ficam aquém das necessidades”, lamentou.

Ana Cordeiro Santos apontou também para uma “indefinição” no modo como as várias medidas irão ser implementadas e quais os agentes que as irão levar a cabo.

“Deverá evitar-se o recurso a determinadas engenharias financeiras e fiscais como meio de colmatar a insuficiência de investimento porque são ineficazes e profundamente injustas”, considerou.

A economista e investigadora deu como “exemplo falhado” o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), criado há quatro anos com o objetivo de requalificar o património público devoluto para o disponibilizar para arrendamento acessível.

“O problema deste fundo e de outros análogos reside na impossibilidade da conciliação de dois objetivos contraditórios. O de aumentar a oferta de alojamento com rendas acessíveis, recorrendo a imóveis devolutos a necessitarem de reabilitação e que exigem avultados investimentos”, apontou.

Outra crítica de Ana Cordeiro Santos foi para alguns programas de rendas acessíveis municipais que, segundo a investigadora, subsidiam os proprietários e garantem-lhes rendas próximas do mercado de arrendamento.

“Ainda que estes programas reconheçam que o mercado de arrendamento falha, ao não disponibilizar alojamentos com valores comportáveis para as famílias, estas medidas não corrigem o funcionamento deste mercado, pois assumem a diferença entre a renda paga e a acessível”, observou.

Nesse sentido, para Ana Cordeiro Santos o caminho passará por uma regulação do valor das rendas, como mecanismo de combate à especulação imobiliária e de facilitação no acesso à habitação.

“Não se trata do congelamento nominal das rendas, mas sim a definição do valor adequado para elas, a determinar com base num conjunto de critérios objetivos, tais como a localização, a dimensão e a idade de construção do imóvel”, disse.

A economista defendeu, ainda, a necessidade de articular a política de habitação com outras políticas públicas, nomeadamente a política fiscal e a eliminação dos incentivos fiscais “que promovam o investimento especulativo do imobiliário”.

“É necessário ainda acautelar que as medidas de reabilitação e de promoção de eficiência energética que constam no PRR não se tornem em instrumentos de facilitação de despejos ou de expulsão dos inquilinos por via do aumento dos preços das rendas”, salientou.