“Sempre que alteramos os escalões [de rendimento do IRS] alteramos o imposto que no final do ano o contribuinte deve entregar e, por isso, em princípio, a mudança de escalões deve ser acompanhada de uma mudança das tabelas [de retenção na fonte]”, disse à Lusa Sérgio Vasques, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e sócio da Lobo, Vasques & Associados.
O fiscalista reconhece, contudo, que o facto de o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) entrar em vigor a meio do ano “vem complicar o processo”, pelo que a solução poderá passar por uma alteração das tabelas de retenção daí para a frente porque, refere, o propósito das retenções na fonte do IRS é que os contribuintes adiantem ao Estado valor de imposto que devem.
O adiamento em cerca de um mês na tomada de posse do Governo – devido à repetição das eleições no círculo da Europa – fará com que o Orçamento do Estado entre em vigor mais tarde do que estava inicialmente previsto, podendo mesmo resvalar para o início do segundo semestre.
Neste cenário, um eventual ajustamento das tabelas de retenção na fonte chegará mais tarde do que aquilo que se antecipava.
Também Francisco Amaral, da consultora Deloitte, considera que “por princípio as tabelas devem estar ajustadas aos escalões”. Não sendo possível refletir nas retenções o efeito dos novos escalões, o acerto será feito no ano seguinte, com a entrega da declaração anual do IRS.
“Devolver [o imposto retido a mais] apenas no reembolso é uma medida possível e até poderá ser vista com bons olhos porque adianta financiamento ao Estado”, refere o fiscalista, lembrando que esta não será a solução preferida pelo contribuinte.
Por outro lado, acentua, mudar as tabelas de retenção na fonte a meio do ano também traz custos para as empresas – situação que também deverá ser tida em conta pelo novo Governo quando chegar o momento de decidir se altera as tabelas de retenção para as adequar aos novos escalões.
“Claro que se quisermos refletir os escalões, devia ser feita uma redução das tabelas de retenção na fonte”, refere por seu lado Ana Duarte, da consultora PwC, acentuando que o ajustamento das tabelas de retenção efetuado em janeiro não será suficiente para fazer face ao efeito do alargamento dos escalões do IRS que estava previsto na proposta do OE2022 chumbada no parlamento em outubro e que o primeiro-ministro já disse que integraria a nova proposta orçamental do Governo.
A fiscalista lembra, contudo, que não há uma obrigatoriedade de refletir nas tabelas de retenção a redução do valor final do imposto. “Seria desejável que se fizesse [o ajustamento das tabelas de retenção], mas não há nenhuma obrigatoriedade”, já que não havendo as pessoas receberão o que pagaram a mais no momento da liquidação anual do imposto, via reembolso.
A possibilidade de haver ajustamento nas tabelas de retenção e de este retroagir a janeiro deste ano é descartada por Sérgio Vasques que lembra que a retenção é feita numa base mensal, não podendo ser aplicada de forma retroativa.
“Idealmente uma coisa [alteração dos escalões] deve ter correspondência na outra [ajustamento das tabelas de retenção], mas esta é uma situação excecional e não há soluções perfeitas neste contexto”, precisa o ex-secretário de Estado.
Na proposta de OE2022 entregue em outubro, o Governo propunha que o número e escalões do IRS aumente de sete para nove, criando um novo terceiro escalão, entre 10.736 e os 15.216 euros, com uma taxa de 26,5% e um patamar seguinte para rendimentos entre os 15.216 euros e os 19.696 euros, taxados a 28,5%.
Além disto, os rendimentos entre 36.757 euros e até aos 48.033 euros passam a ter uma taxa de 43,5% e no patamar seguinte, entre os 48.003 euros e até aos 75.009 euros a taxa é de 45% (igual à que incide sobre a totalidade do atual 6.º escalão).
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