"Quero deixar bem claro que a minha intenção com este disco é maior que a data em si, é maior que isso tudo, é lembrar as pessoas que a nossa Liberdade", a liberdade "de cada um de nós", impõe "cuidar da Liberdade" que "é nossa e do nosso vizinho", que a Liberdade "tem um impacto de forma direta na vida e na liberdade das outras pessoas", disse a fadista em entrevista à agência Lusa.
O álbum reflete a série de espetáculos que a cantora apresentou pelo país no ano passado, na celebração dos 50 anos do 25 de Abril.
À Lusa, a fadista afirmou que sentiu "necessidade de gravar estas músicas, de cantar a Liberdade", a Liberdade com maiúscula.
Sobre o alinhamento do álbum, maioritariamente, composto por canções do repertório de José Afonso, Gisela João afirmou que "foi feito a olhar para o mundo", para o que está a acontecer à sua volta e, "sentindo quase como um espírito de missão, de cantar a Liberdade de a defender, de dar estas palavras de novo ao público", porque "são letras muito necessárias e precisamos de as ouvir".
Gisela João gravou repertório de José Afonso com novos arranjos musicais, canções como "Vejam Bem", "A Morte saiu à Rua", "Que Amor Não me Engana", mas também de Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus" - canção que foi uma das senhas para o ainda golpe de 25 de Abril de 1974 -, de Sérgio Godinho, "Que Força é essa Amigo", de Fernando Lopes-Graça, "Acordai!", que o compositor estreou com o Coro das Academia Amadores de Música, e de José Mário Branco, "Inquietação".
A cantora defendeu a necessidade de "uma luta constante" e de "uma defesa muito concreta da Liberdade que é um direito por nascença".
"O direito de qualquer um que nasce à Liberdade, à Liberdade de se ser o que se quer ser, e de se ser quem se deseja e quem se sonha", argumentou.
Gisela João realçou a atualidade do repertório que gravou e dos seus criadores, que marcaram a música portuguesa nas últimas décadas. "Estes autores -- José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto -- podiam ter escrito estas canções hoje", afirmou.
"Se ouvirmos as notícias e sairmos à rua e olharmos com olhos de ver o que se passa à nossa volta, é muito fácil encaixar frases destes autores ou as canções inteiras e cantá-las, pois adequam-se ao tempo que nós vivemos".
Gisela João alertou para a necessidade de uma vigilância, pois "a Liberdade não é um dado adquirido"
"A Liberdade - sermos todos livres - permite que se oiçam e se vejam coisas que não deviam acontecer. E quem defende essa Liberdade? Temos de ser nós, todos os dias, a defender a nossa Liberdade e a dos outros", defendeu.
"Uma situação complexa", referiu, "mas um debate necessário e constante".
Reconhecendo a importância da intervenção cívica e política de José Afonso, autor da maioria das canções de "Inquieta", Gisela João realçou a "genealidade" da sua criatividade musical, à qual se referiu como "impressionante".
"A qualidade das melodias que ele fez, [todas] têm algo que é do mais difícil de fazer; fazer coisas que parecem tão simples e são de uma profundidade imensa. É por isso, que, garantidamente, posso dizer que não conheço ninguém a quem essas melodias não toquem, não conversem com as pessoas".
"São melodias muito simples, mas não o são na verdade, são muito densas, e tocam nas pessoas, é isso que faz as pessoas sentir alguma coisa na pele", acrescentou, realçando que "há uma assinatura muito portuguesa nestas músicas".
"Há ali [naquelas canções] -- nem, sei explicar como -- qualquer coisa que me faz sentir muito portuguesa, como no fado", disse Gisela João que confidenciou que quando as ouve, parece que está a fazer um mantra consigo própria: "Uma cantilena em repetição que me vai acalmando a alma".
Questionada sobre a responsabilidade que sente ao interpretar estas canções, a fadista disse que quando começa a cantar é como se não estivesse ali.
"O que está ali é o poema; e quem me dera poder levar as pessoas para o lugar para onde vou quando estou a cantar".
"A verdade é que os poemas são muito maiores que eu, e junto-os com as melodias perfeitas para eles, para as palavras soarem como precisam de soar. São muito maiores que eu. Sinto que fico em segundo plano. Apenas me sinto como veículo para dar às palavras aquilo que elas precisam, e para [as] fazer chegar às pessoas", disse à Lusa.
A intérprete destacou os arranjos musicais, "mais arejados". E entre as dez canções que constituem o alinhamento, referiu a sua dificuldade em encontrar a forma como cantar "E Depois do Adeus" (José Niza/José Calvário), para se distanciar da interpretação do seu criador, Paulo de Carvalho.
Gisela João defendeu que "cada um é único" e que quando canta, tem de "saber falar". O que canta, tornar seu. "Eu tenho de sentir aquilo", enfatizou.
Para a intérprete, "E Depois do Adeus", na interpretação do Paulo de Carvalho, "está perfeito, está redondinho, é aquilo é assim", o que a deixava "muito inquieta", pois "não queria cantar igual a ele, nem a fazer à Paulo de Carvalho".
"De repente, de tanto ler o poema e, relacionado com a fase da vida em que me encontro, precisava de cantá-la para mim, desconstruindo o poema e não falando de uma relação de amor com o outro; olhar de uma maneira diferente e falar da relação de amor que eu tenho comigo própria, onde eu estou, onde eu quero ir, quem é que eu sou, quantas de mim deixei pelo caminho, quais de mim é que eu quero resgatar", contou.
"Desculpem-me a ousadia e a imodéstia, mas esta canção, gravei-a para mim, e vou ficar muito feliz de saber se alguém, ao ouvi-la, quiser fazer um ponto de situação de si próprio".
"Os Bravos", "Balada de Outono" e "Canção de Embalar" fazem também parte do alinhamento de "Inquieta", com arranjos de Luís 'Twins' Pereira, Gisela João, Carles Rodenas Martinez, e produção executiva e gravação de Luís 'Twins' Pereira.
*** Nuno Lopes, da agência Lusa ***
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Lusa/Fim
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