Mas 68 teve mais. Logo no começo do ano, ficou aberta a efémera Primavera de Praga, com a nomeação, em 5 de janeiro, de Alexander Dubcek para secretário-geral do PC checoslovaco, com discurso que soltou grandes aspirações de liberdade. Foi uma ilusão que resistiu oito meses: em Agosto, os tanques soviéticos, com 300 mil soldados, invadiram Praga para esmagar a ousadia liberal. A tentativa de introdução de “socialismo de rosto humano” e pluralismo no comunismo real falhou, acabou em tragédia. O repressor foi vencedor no momento, mas saiu derrotado 20 anos depois, com a implosão da União Soviética. De facto, a agonia do modelo soviético começou naquele assalto a Praga: muita gente que por toda a Europa vivia a ilusão do modelo soviético rompeu com o comunismo que arrasou a aspiração de liberdade do povo checoslovaco.

Naquele mesmo 68, os EUA estavam mobilizados para o Vietnam: meio milhão de soldados, o mais vasto exército na história. Descobriram, surpreendidos, que tinham os guerrilheiros vietcongue dentro das casernas, quase debaixo da cama. Os americanos perderam nesta guerra 58 mil soldados. Milhões de cidadãos dos EUA protestaram, de San Francisco a Nova Iorque, contra o envolvimento militar dos EUA na armadilha vietnamita. O jornalismo e a opinião pública derrotaram os argumentos dos políticos que tinham metido a América na guerra. Cresceu a participação política e social nos EUA e, quatro anos depois, a grande armada americana, vencedora da Segunda Grande Guerra Mundial, viu-se forçada à retirada.

Ainda em 68, em Cuba, Fidel Castro avançava com a coletivização da propriedade e a “ofensiva revolucionária” que cortou liberdades e encostou à parede o que restava da burguesia urbana enquanto na fechada China de Mao os guardas vermelhos impunham as purgas e execuções da ditadura da “Revolução Cultural”. Fidel haveria de continuar por muito tempo, Mao imperou até morrer, em 1976. Dois anos depois, Deng chegou ao poder e desencadeou a “desmaoização” da China, com introdução de reformas económicas.

Os acontecimentos férteis deste ano 1968 geraram entusiasmos, ilusões e, também, visões distorcidas da realidade. Quase tudo repercutido no levantamento estudantil que teve epicentro em Paris mas fortes turbulências também em universidades a grande distância, de São Francisco/Berkeley a Tóquio. É assunto para uma próxima crónica.