Caro 2020, antes que comece a subir-te à cabeça, opto já pelo tratamento na segunda pessoa do singular para ver se percebes que já cá ando há muito tempo e que sei que tu só duras 366 dias (e porque és bissexto), és uma espécie de constipação prolongada, embora possas ser memorável por más ou boas razões.

Uma vez esclarecidos sobre a tua importância – mesmo que eu morra este ano, o que importará será o que fiz antes e, por isso, não tens qualquer mérito no assunto –, gostaria de te informar que, enquanto cá estiveres, não estou para aturar certas coisas e certas pessoas. Chama-lhe o que quiseres, mas isto até nem tem sido mau de todo, tem os seus altos e baixos, como a vidinha de todos, mas não vivo no Afeganistão e sou uma mulher no século XXI, melhor do que no século XV, garanto-te, e por isso talvez esteja na altura de preparar o ano com menos fantasias.

Até agora tenho cumprido com a tradição e, no final do dia 31 de Dezembro, lá engulo as passas à meia noite, dou dois ou três vivas, brindo e abraço as pessoas à minha volta, tendo pedido 12 coisas banais que potenciam clichés e complexos de bondade.

A saber, ao longo destes 49 anos, tenho pedido por amor, saúde, sucesso profissional que permita pagar contas, tenho pedido pelos meus filhos, tenho pedido pela paz no mundo, fim da fome para milhões e milhões de pessoas, uma existência mais justa. Não se trata de ser ingénua, nem sequer de ser boazinha, parecem-me pedidos adequados à noite que encerra o ano. Há quem peça para ganhar prémios literários, parece-me mais estranho, ou para adquirir automóveis inteligentes, ou carteiras de luxo de marcas ilustres. Pedir pela paz no mundo, ainda assim, parece-me melhor.

Como terminei o ano de 2019 fora do hemisfério do costume, com uma diferença horária de cinco horas e meia, com pessoas que não conhecia, a ver o mar e a pensar na vida numa outra velocidade, não tive passas, brindei e esqueci-me dos 12 desejos. Nem me passou pela cabeça até que me perguntaram: o que esperas tu para 2020? Espero que seja bom à minha medida, na minha esfera, com os meus. Porque não tenho grande influência no resto do mundo, por isso é melhor aceitar que essa coisa de pedir pelo fim das guerras não vai acontecer só para me satisfazer. É pena, claro, mas é o que é.

Assim, decidi escrever-te, 2020, para te dizer que não te metas com merdas, quero 12 meses sem conflitos, sem fazer contas, com sorrisos e abraços, com amor e família, com música e livros, com teatro e espectáculos, com amigos próximos e amigos recentes.

Não quero nada de ti que tu não possas querer de mim, ou seja, não me aborreças muito, estou no quinquagésimo ano de vida e agora, sinceramente, a paciência só serve para algumas coisas. Peço-te apenas que não me mates lentamente, se for caso disso, se for para ser, prefiro um repente. Não esperes que cumpra com todos os preceitos da luz e das pessoas de bem, tenho uma empresa, não tenho grandes hipóteses de ser uma empresária imaculada num mercado como o nosso.

Talvez por ter começado o ano fora, preciso de te dizer que Portugal é um segredo extraordinário mas talvez esteja na altura de perceber que o país é assim porque tem pessoas incríveis e que essas precisam de ser vistas, lidas, ouvidas, queridas. Aproveito ainda para te dizer que já estou à espera das tuas indefinições ao nível do clima, peço-te apenas para não me lixares o verão, pode ser?

Muito agradecida.