Este parágrafo pode ser exemplo de um pensamento, consciente ou inconsciente, de muitos homens com quem me cruzo. É chato ser uma mulher com ideias. Há dias a mãe de uma jovem extraordinária, de 22 anos de idade, contava-me que a filha está interessada num jovem que não lhe liga nenhuma e que, para mais, evita mulheres inteligentes.
Por que carga de água é que uma miúda tão gira e inteligente quer andar com um tipo que não aprecia a inteligência alheia? Pois. Não há uma resposta cientificamente comprovada. O que existe é outra forma de estar. Porque esta jovem tem uma vida sexual activa, não pede desculpa por gostar de sexo, de beber caipirinhas e dançar até cair. Tudo isso está certo e bem resolvido. O drama são as relações. E as relações nada têm a ver com sexo, ok? Digo eu, do alto dos meus 50 anos, a ponderar na mudança do mundo. Para ter graça, digo que a miúda funciona como os jovens do sexo masculino funcionavam nos anos 80. O que importa é a diversão do momento. As relações podem esperar.
Mas as mulheres, que são chatas e têm ideias e opiniões (e que ainda vivem com uma culpa judaico-cristã desgraçada, acrescente-se), não vivem só de ser diletantes. Há um momento em que encaram os homens como potenciais parceiros e nada será mais triste do que perceber que, se tivessem um pouco menos de inteligência, talvez fossem consideradas. As mulheres inteligentes assustam. O patriarcado prevalece e somos suspeitas.
Todas as semanas, por uma ou outra razão, as mulheres são confrontadas com este dilema de viver ainda numa sociedade que, apesar de todos os avanços, ainda as põe em segundo lugar. E as que não se calam e reivindicam direitos e paridade? Mais chatas são ainda e, portanto, passíveis de ser agredidas (coisa que em tempos de redes sociais dá para tudo). Não é fácil ser-se mulher. Em vários aspectos. Fisicamente, o corpo a trair-nos por sistema: a menstruação, a maternidade, a subida do leite, a líbido, a menopausa. Enfim, um rol de chatices que depois trazem outras tantas, como o excesso de peso, a impossibilidade de ir a favor do tal padrão colectivo de beleza. Psicologicamente, as mulheres têm de lidar com os entraves de serem mulheres desde muito cedo – ou porque têm um irmão homem que pode fazer coisas que lhes são vedadas, ou porque acharam romântico ficar com o nome do marido, mas agora ele foi-se e voltar para o nome do pai (lá está outro) é uma complicação burocrática, ou porque querem ter o mesmo reconhecimento profissional e este costuma tardar.
A filha da minha amiga é uma cabeça luminosa e pensante, uma leitora concentrada, dona de uma cultura geral invejável, até para muitos adultos. Pode fazer e faz coisas que foram negadas à minha geração; porém, as queixas mantêm-se: não quero ser chata, mas os homens não apreciam a minha opinião. Apreciam coisas menores, sem importância. É muito difícil.
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