A Turquia é um país, politicamente autoritário, com grande influência sobre o mundo árabe e o balcânico. A influência turca percorre uma vasta porção de mundo, que vai da Sérvia e Macedónia ao norte mais ocidental de África, vem até Marrocos. Passa pela Síria, pelo Irão e pela Palestina. Apesar do sério défice de democracia e de direitos humanos num regime muito repressivo, a Turquia tem sido uma parte principal da aliança militar ocidental. É uma plataforma para chegar ao mundo que está para lá e para baixo, daí que a Turquia, apesar de ser um parceiro incómodo, seja um aliado crucial. Até ver.

A Turquia do sultão Erdogan ameaça a América do multimilionário Trump com o rompimento e a viragem para novos aliados. Erdogan, ao pronunciar o aviso não mencionou que aliados serão esses, mas nem seria preciso, está-se mesmo a ver que começa por ser a Rússia. A Rússia de Putin e a Turquia de Erdogan têm, para além das afinidades no estilo de comando, vastos interesses comuns, portanto, tudo as encaminha para uma forte aliança. É uma reviravolta que nem deixará Trump muito sobressaltado mas que, a acontecer, vai inquietar muito a Europa franco-alemã.

As turbulências provocadas por esta crise atingiram tanto impacto que já aparecem como terramoto financeiro, com temores de colapsos como alguns dos causados pela grande crise global de 2008.
A crise deste agosto tem um detonador político: começa com um braço de ferro entre Erdogan e Trump. O presidente da Turquia reclama ao dos Estados Unidos que lhe entregue Fethullah Gullen, que vive na América e que Erdogan considera como inimigo principal e promotor da tentativa de golpe de estado na Turquia em julho de há dois anos. Trump, por seu lado, quer que Erdogan liberte e devolva aos EUA um pastor evangélico Andrew Brunson, em prisão domiciliária em Izmir, na Turquia, a pretexto de suposto envolvimento nesse abortado golpe de estado. Há quem comente que ele foi preso para servir como moeda de troca.

É sabido que este assunto foi discutido por Trump e Erdogan no encontro que tiveram há um mês na cimeira da NATO em Bruxelas. Várias trocas foram metidas nessa conversa, entre elas a de Ebrun Ozkan, ativista turca detida em Israel, acusada de ajudar o Hamas. Ela foi libertada, após intervenção de Trump junto de Netanyahu. Seria suposto que Erdogan deixasse Brunson partir de Izmir, de volta aos Estados Unidos. Não deixou, porque o que Erdogan quer fazer valer é que os Estados Unidos lhe entreguem Gullen. A crise entrou em escalada.

Trump, também furioso pelas ligações da Turquia com o Irão, a quem Erdogan facilita o negócio do petróleo, passou ao ataque: com a intenção de punir a Turquia e obrigar Erdogan a ceder, duplicou as tarifas sobre duas das principais exportações turcas para os EUA, o alumínio e o aço. O efeito dominó sobre o sistema financeiro e económico turco foi imediato. A cotação da lira, a moeda turca que já estava em declive, passou a queda livre.

Com a moeda nacional a cair a pique a cada dia que passa, a Turquia deixa de poder pagar os compromissos que tem, designadamente com vários bancos europeus. Assim se instala o temor de contágio.

É uma crise que muitos peritos já tinham anunciado. A economia da Turquia de Erdogan andava a crescer a “ritmo asiático”. Foi aos 7% no ano passado. Mas, ao mesmo tempo, com a inflação a disparar para 15%.

Erdogan apostou em políticas de crescimento acelerado, que lhe deram popularidade e sucessivos triunfos eleitorais, através de investimentos industriais e imobiliários financiados, sobretudo por bancos europeus e norte-americanos. A espiral de perda de valor da moeda nacional turca anuncia impossibilidades para a devolução do dinheiro que esses bancos emprestaram à Turquia.

Dentro da Turquia, a crise está em fase de grande apertar do cinto – com Erdogan a servir-se de Trump para o acusar de ser a causa do mal. É um álibi para o presidente turco justificar as dificuldades internas no país. Está para se saber quais são os riscos de propagação desta crise financeira turca na Europa e no mundo. Que ameaças para empresas e bancos europeus? Há muitas incertezas e desconfianças. Há a noção de que as consequências podem ser incontroláveis. Está em jogo a economia, mas também o sistema de alianças geoestratégicas, com a Turquia talvez a mudar de campo.

TAMBÉM VALE TER EM CONTA:

Novo episódio na incessante crise dos migrantes no Mediterrâneo. O Aquarius volta a estar sem porto.

Faltam três meses para eleições nos EUA. Aqui está um útil mapa sobre uma corrida que pode mudar alguma coisa na política dos Estados Unidos da América.

A primeira página do Die Welt que mostra como vai a fundo a queda da lira turca.