Sustentabilidade é hoje um conceito recorrente, quando há poucos anos ninguém falava nele. Surgiu pela primeira vez no Relatório Brundtland, um documento intitulado “O Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas.
Mas o que quer dizer “sustentabilidade”? Muitas coisas. Define-se teoricamente como uma alternativa para garantir a sobrevivência dos recursos naturais do planeta, ao mesmo tempo que permite aos seres humanos e às sociedades soluções ecológicas de desenvolvimento. Na prática, há dois conceitos nesta classificação: o crescimento sustentado, que é um aumento do tecido económico que não implique um aumento do consumo de recursos naturais, e a gestão sustentável, que é a organização da produção se modo a não influenciar o meio ambiente.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que ocorreu em de junho de 2012, no Rio de Janeiro, estabeleceram-se vários objectivos para a gestão do planeta, especificamente a reciclagem, a agricultura dita “biológica” (sem adubos artificiais e modificações genéticas), a energia limpa (gerada com recursos que são inesgotáveis e não poluentes), a contenção no uso dos recursos minerais, a reciclagem do lixo, o desenvolvimento de meios de transporte não poluidores, a racionalização do consumo de água, e o reflorestamento das áreas verdes consumidas, entre outros de uma longa lista.
No documento final, o desenvolvimento sustentável é definido como: “aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.”
A definição é muito clara, mas onde a situação se complica é na quase infinita quantidade de actividades, privadas, comerciais e públicas, nacionais e globais, que teriam de ser alteradas para que o consumo de bens naturais não aumente exponencialmente – como tem acontecido e está a acontecer - , uma vez que servem para satisfazer não apenas necessidades básicas mas também confortos que ninguém quer perder. Isto, num mundo onde a população cresce sem parar. A Humanidade passou por séculos de necessidades — arranjar alimento, por exemplo – e dificuldades – percorrer grandes distâncias, outro exemplo – e agora, que sabe como resolvê-los, não está disposta a andar para trás.
Onde há abundância consome-se demais porque se pode, onde há carência consome-se tudo porque se precisa.
Em ambos os casos, ninguém está disposto a comer menos, ou pior, ou a não ter água corrente, ou aquecimento – para não falar em deslocar-se sem esforço, ter acesso a informação abundante e poder escolher alternativas de estilo de vida.
Contudo, desde 1987 que se multiplicam as estatísticas a mostrar, cada vez mais, que estamos a caminhar para uma auto-destruição a uma velocidade sempre acelerada. Não se trata de projecções sobre o futuro, sobre as quais ninguém se entende; estamos a falar de números concretos sobre o que já aconteceu. Em todas as áreas surgem sinais assustadores: os recifes de coral que morrem, os cardumes que se reduzem, as espécies minerais e vegetais que são cada vez mais escassas.
Se é evidente o que está a acontecer, é discutível porque acontece. Como em qualquer campo de conhecimento, há sempre opiniões conflitantes. Seja por interesses (nem sequer muito ocultos), seja por ideologia, não falta quem ache que o aquecimento global, um dos efeitos da actividade humana em excesso, não passa de uma teoria, ou melhor, de uma militância dos anti-capitalistas, anti-globalistas ou anti-uma-das-milhares-de-coisas-que- hoje-fica-bem-ser-contra.
Antes de avaliar nestas atitudes, vejamos o que se sabe de certeza – isto é, a partir de registos científicos fidedignos.
A produção humana de dióxido de carbono passou de cerca de 450 toneladas/ano em 185o – época em que o CO2 foi identificado por um cientista irlandês, John Tyndall – para uns estratosféricos 750 mil milhões de toneladas em 2017 (números redondos). Não é preciso mais do que o terceiro ano primário para saber a diferença entre 550 e 750.000.000.000 – sé é que se consegue visualizar o valor de grandeza do segundo. Ora, o dióxido de carbono e o metano são os controladores da temperatura da atmosfera. Mais dióxido de carbono (e metano e outros) quer dizer um clima mais quente. Um clima mais quente leva a vários fenómenos, desde a morte de espécies vivas à subida do nível da água do mar, passando por alterações nas colheitas. Desde 1850, a temperatura da atmosfera subiu um grau centígrado – o que não parece muito, mas já produziu resultados visíveis. Pior ainda: o crescimento nestes 169 anos não foi constante: aumentou primeiro devagar e depois, a partir de 1950, a um ritmo alucinante. O que quer dizer que num futuro próximo – 2050 ou 2100 – a temperatura do planeta poderá aumentar entre 1,5 e 3oC, mesmo que se atinjam os objectivos do Acordo de Paris de 2015. Ora esses objectivos, que são mais um remendo do que uma solução, implicaria que quase 200 países aderissem voluntariamente às metas propostas; mas logo, para começar, o país mais poluidor, os Estados Unidos, saíram do Acordo, enquanto outros países que ainda poluem pouco não estão dispostos a travar o seu desenvolvimento. Neste cenário, cada vez mais iminente, há áreas costeiras que desaparecem, espécies que morrem, emigrações humanas de milhões. A água potável torna-se escassa em cada vez mais regiões, enquanto outras são inundadas.
Na Assembleia Geral das Nações unidas deste ano, que começou no dia 25, a chamada “crise climática” esteve no topo da agenda. Dos 193 membros, espera-se que 60 anunciem planos concretos para reduzir as emissões de dióxido de carbono. É aqui que entra a activista Greta Thumberg, uma miúda sueca que, por razões que seria longo elaborar, se tornou uma espécie de símbolo da geração de jovens que irá sofrer estas mudanças na sua vida adulta. Junto com ela, na sexta-feira, 20 de Setembro, em 2993 cidades de 162 países, mais de quatro milhões de miúdos faltaram às aulas para se manifestar na rua. Tal como Greta exigiu na Assembleia Geral, é necessário que os governos assumam o problema e dêem passos concretos para o resolver.
O apelo de Greta não parte de informação subjectiva; um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Ambientais, baseado em mais de sete mil estudos, afirma, entre outras coisas, que para evitar um aumento de 2,7oC da atmosfera, o chamado “efeito de estufa”, tem de ser reduzido, até 2030, aos níveis de 2010, e até 2050 em 100%. Também projecta que o uso de carvão como fonte de electricidade tem de ser reduzido hoje em cerca de 40%. Hoje, não amanhã. As energias renováveis, tais como a eólica e a solar, que constituem hoje cerca de 20% do mix energético, têm de aumentar para 67%.
O relatório foi feito a partir de mais de sete mil estudos e prevê um planeta com reduções graves de alimentos e aumento de fogos espontâneos, a extinção de recifes de coral e outras espécies, tudo isso ainda durante a vida da população actual. Um quarto da humanidade está perante uma crise real de água potável.
Mas o comovente apelo de Greta, transmitido da sala da Assembleia Geral para todo o mundo, não tem uma repercussão consensual. Nada, nos tempos em que vivemos, é consensual. O Presidente Trump anulou dúzias de regulamentos ambientais que desaceleravam a economia americana. O Presidente Bolsonaro quer abrir o Amazonas às actividades comerciais. O Presidente Putin deve o seu poder económico ao petróleo e gás natural. As estatais chinesas estão a criar novas centrais de carvão, no país e no estrangeiro. Narendra Modi quer para a Índia um desenvolvimento paralelo de fontes solares e de carvão. Só aqui já temos os maiores poluidores mundiais a opor resistência para a frente, se não a fazer marcha atrás. Que peso tem um país como a Islândia, com 350 mil habitantes, o único com 100% de energias renováveis?
Mas não são só os países os responsáveis pela situação. As empresas também não estão interessadas nestes valores, tanto porque ameaçam o seu modelo de negócio, como pelos custos associados a uma redução dos índices. Essas empresas, grandes e pequenas, são dirigidas por indivíduos que se sentem acima dos efeitos que afectam os restantes 99,9% da população. Um estudo denuncia as cem empresas mais responsáveis pela emissão de CO2 e até dá o nome dos seus responsáveis. Farão eles algo de concreto? Certamente que não.
Outro factor determinante da degradação do planeta são os plásticos. Como é sabido, o plástico, que representa cerca de 4% dos derivados do petróleo, é um material indispensável na economia contemporânea. Indústrias médias e pequenas fabricam produtos tão diversos como peças para máquina e embalagens para alimentos. São os produtos do nosso estilo de vida, e a sua substituição, impraticável, levaria ao consumo excessivo de outros bens naturais esgotáveis, como a madeira. Os plásticos, depois de usados, são enviados para os países mais pobres que, não tendo meios de os reciclar, acabam por deitá-los ao mar. Existem actualmente três grandes ilhas de plástico, uma no Atlântico, outra no Índico e outra no Pacífico. Têm o tamanho de continentes; a maior, a chamada “Grande Mancha de Lixo” tem dimensões do triplo do tamanho da França. Imagine-se, três franças de plástico, a flutuar no meio do mar.
Esse plástico, como é sabido, dissolve-se em microfibras que são ingeridas pelos peixes e acabam no estômago das pessoas. Não se sabe quais os efeitos que terão a longo prazo no ser humano, mas certamente que não são os melhores para a nossa sobrevivência. Os números falam por si: anualmente produzem-se um trilião (1.000.000.000.000) de sacos de plástico – dois milhões por minuto —, 480 mil milhões (480.000.000.000) de garrafas, 500 milhões de palhinhas, 500 mil milhões de copos grandes, 16 mil milhões de copos de café e 25 mil milhões de copos de esferovite. Fora as embalagens para a carne, o peixe e todos os produtos que compramos nos supermercados.
Talvez pudéssemos prescindir dos plásticos de uso único – isto é, aqueles que não são incorporados como componentes de bens duráveis, como todas as máquinas que usamos, dos automóveis aos equipamentos industriais. Mas certamente que não podemos prescindir da roupa com que nos cobrimos e protegemos do frio. Da discreta e prática t-shirt, por exemplo. Pois bem, o algodão de uma t-shirt precisa de entre 10 e 20 mil litros de água para ser fabricado, gasta corantes violentos para ser decorado (que poluem milhares de litros de água) e depois a t-shirt percorre um longo caminho da fábrica à loja e da loja à casa do cliente, onde é lavada e engomada regularmente. Total: 2,4 quilos de CO2 em cada simples t-shirt. Quantas é que tem lá em casa? Quantas precisa? Quantas gasta por ano?
A indústria do vestuário contribui anualmente com 1,2 mil milhões de toneladas de CO2.
Estes valores são reais. Mas não esgotam as actividades que produzem gases de estufa – todas as actividades são responsáveis. Seria impossível viver sem elas, ou voltaríamos para o tempo das cavernas. Mas poderiam ser mitigadas, houvesse um consenso – e um bom senso – que, como já se viu, não há. Nem mesmo uma observação criteriosa da ciência.
E é aqui que entra, a título de exemplo da dislexia da sustentabilidade, o nosso Doutor Amílcar Falcão, Ilustre Reitor da Universidade de Coimbra. Certamente que é um homem honesto e preocupado com estas questões. Sendo formado em Farmácia e tendo feito investigação no Centro de Neurociências e Biologia Celular, é um cientista, e não tomaria nenhuma atitude que não fosse fundamentada na Ciência. Só que não conseguiu escapar dos enormes medos que nos afectam quando ao nosso futuro nem fugir à confusão de desinformação que tomou conta dos civilizados. Estamos a falar da sua proibição transversal do consumo de carne bovina nas cantinas, evidentemente. Esta atitude vem de outro dos terrores do aquecimento global, o metano. E da campanha que os vegetarianos em geral e os veganos em particular têm feito em relação ao consumo de carne.
Inicialmente, os vegetarianos escolhiam a sua dieta por razões de saúde. Sentiam-se melhor. Não gostavam de carne. Depois, no século XIX, surgiu o veganismo. Comunidades foram criadas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, assim como nessa época surgiram grupos religiosos com ideias fora da maioria. Para encurtar uma longa história, o veganismo ganhou estatuto oficial em 1944, como uma forma particularmente radical de não consumir produtos animais – até os sapatos não podiam ser de couro. Na década de 1960, em plena moda da contra-cultura, expandiu-se por toda a parte, ligado, não se percebe bem porquê ou como, à esquerda e ao punk-rock. Mas o que interessa para o caso é que o veganismo encontrou argumentos fortes neste século, precisamente por causa da sustentabilidade. Segundo os veganos, a “pegada ecológica” da criação e consumo de gado é brutal. Uma vaca gasta dezena de milhares de litros de água para chegar à idade adulta. Regurgita metano, um dos piores gases de estufa. Destrói a vegetação, ao consumir toneladas de alimento.
Certamente que foi esta ordem de ideias que levou o Sr. Reitor a proibir o consumo de carne de vaca. Só que a questão é muito mais complicada. Primeiro, não existem estudos científicos que comprovem estes factos – ou, pior, os estudos são contraditórios, imbuídos de ideologia, e nada fiáveis. Um estudo da Environmental Protection Agency dos Estados Unidos, distribui a produção de gases de estufa do seguinte modo: 28,5% para os transportes (carros, aviões, navios), 28,4% para a produção de energia, 21,6% para a indústria, 6,4% para o comércio, 5,1% para o uso residencial (climatização, cozinha), 4,7% para a agricultura e 3,9% para a pecuária, sendo que destes últimos só 2% se devem aos bovinos. Para lá do cuidado das investigações, estes números vão de encontro ao bom senso; é evidente que a indústria, com as suas chaminés a deitar fumo preto, polui mais do que as hortas, ou as pastagens em que se pratica rotatividade das colheitas, descanso das terras e compostagem.
Dentro do caso específico do gado bovino, há ainda grandes diferenças, que o especialista Paulo Canaveira, no “Público” explica melhor:
“O mesmo alimento pode ser produzido de forma muito insustentável ou de forma sustentável. O desafio está em escolher as formas sustentáveis em detrimento das insustentáveis e não escolher entre os alimentos, na lista dos bons” ou dos “ maus”. No caso da carne de vaca, o regime de produção, as raças utilizadas, a gestão que é feita dos estrumes e a alimentação que é dada aos animais altera de forma substantiva as emissões atribuíveis a este alimento. O impacto da produção extensiva em Portugal é muito inferior ao da produção “extensiva” na Amazónia, feita “conquistando” pastagens à floresta tropical. No caso da produção extensiva nacional é inclusivamente possível ter sistemas em que o balanço de emissões é negativo (isto é, o sequestro de carbono nos solos é superior às emissões dos animais). Note-se que o produto que chega ao consumidor é o mesmo (carne de vaca), mas o impacto pode ir de “grande emissor” até “sequestrador líquido”.
É o que também podemos ver neste vídeo.
É verdade, opiniões é o que não falta.
Duas coisas são certas: primeiro, o esforço para reduzir os gases de estufa terá de ser feito ao nível global, nacional, industrial e pessoal.
Segundo, esse esforço não dará resultados que cheguem. Há demasiados interesses antagónicos e opiniões conflitantes. Enquanto se discute mundialmente e se tomam medidas regionais, o relógio não pára. 2050 está aí. Até lá, só mesmo a fé nos poderá salvar, uma vez que a política e a ciência assustam, mas não resolvem.
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