Ao mesmo tempo que Trump regressa ao poder, com o Senado, o Congresso e o Supremo do seu lado, além dos senhores que mandam nisto tudo - leia-se os donos das plataformas digitais - volto a ler o livro Faca de Salman Rushdie.

O livro relata os acontecimentos do dia 22 de agosto de 2022 e os 29 segundos que durou o ataque que lhe roubou a visão de um olho e causou diferentes outras cicatrizes no seu corpo. O ataque foi feito em nome do inominável: de Deus. Ainda por causa do livro Versículos Satânicos? Essa parece ser a resposta, mas lendo o livro dou comigo a pensar que a banalização da violência, a possibilidade de atacar alguém, é facilitada através dos discursos de ódio, das discriminações, da xenofobia e transcendem episódios como a fatwa que caiu em cima do escritor há mais de duas décadas.

O livro leva-nos pela mão, Rushdie reflecte sobre a violência, a pertinência da mesma, as razões para alguém actuar como o fez o seu atacante de 24 anos que, para mais, diz nunca ter lido um livro escrito pelo autor. Viu umas coisas no YouTube e achou que o escritor era insincero e merecia morrer. Assim, com esta facilidade.

Trump libertou quem atacou o Capitólio. Acabou com os programas de diversidade, equidade e inclusão, alegando “recursos mal-gastos”. Diz que os Estados Unidos da América reconhecerão apenas dois géneros, masculino e feminino, e que deportará milhões de pessoas.

O mundo assiste a tudo isto com a mesma facilidade com que um miúdo de 24 anos levou um saco com facas para um evento literário com o intuito de acabar com a vida de Rushdie. Com a mesma facilidade com que os seguidores de Kamala nas redes sociais passaram a ser seguidores involuntários de Vance, só para dar um exemplo de como tudo é possível de ser feito, manipulado e virado do avesso. E agora? Não sei responder.