Em alguns aspectos, até apetecia que em vez de chegar 2017 com as realidades que já estão anunciadas, pudéssemos continuar com o melhor de 2016. Vai ser um desconforto, quando for vez de escutar o poder, deixar de ouvir a voz humanista de Obama como presidente dos Estados Unidos – o que promete irritação é quem passa a ser a voz. Não se vê que vá parar o naufrágio silencioso de migrantes, nem a escalada de egoísmos nacionais. As raízes do mal continuam a crescer, sem que alguém as corte. O que se sente faz lembrar um icebergue: as mudanças de maior calado até ainda não estão à superfície. A cena internacional, sendo lá de fora, mexe e muito com a vida de cada um de nós, e está com tendência para ficar mais azeda.  Em Portugal, ainda que a atmosfera ande muito mais desanuviada do que nos anos anteriores, os jornais e televisões não trazem satisfação, há intrigas e mediocridades a mais, a tabloidização está em fase de contágio.

Enfim, resta pensar em bons desejos que possam ser acessíveis. Li por estes dias nas páginas de um conto, La Chiave a Strella (A Chave Estrela), escrito por um dos estupendos  lúcidos escritores (metade químico, metade escritor, testemunha plena do holocausto) do século XX, Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, uma lição que faz pensar: “Amar o trabalho que fazemos constitui a melhor aproximação à felicidade na terra”. Isto é dito pela personagem central na história, Tino  Faussone, operário montador numa fábrica da Fiat, apaixonado pelas inovações.

Nicholas Negroponte, guru das tecnologias de informação no final do século XX, pensava que o modelo de trabalho mudaria com as tecnologias: estas, abatendo distâncias, tornariam dispensável a presença formal no local de trabalho. Em muitos casos está a ser assim. Mas há algo que não é dispensável: o encontro cara a cara com as pessoas, procurar em conjunto, com a inteligência do coração e com o gosto da emoção, novos estímulos criativos.

É um desejo de concretização exequível que poderia preencher o conteúdo da carta a um pai Natal: que possa ser procurada a felicidade nas coisas que fazemos. Que o trabalho seja estímulo em vez de fadiga. Passa muito por cada um de nós.

Sobretudo: com o mundo cada vez mais às avessas, que o coração esteja sempre no lugar.

TAMBÉM NESTES DIAS:

Uma tribo do Amazonas fora do mundo que conhecemos: foi revelada porque uma tempestade obrigou o voo do fotógrafo brasileiro Ricardo Stuckert mudar de rota. Aqui está a história. Estima-se que haja umas 80 tribos assim isoladas na imensidão amazónica.

A neve sobre as dunas do deserto argelino.

El País mostra-nos assim este ano que vê de pernas para o ar. Mas 2016 é um ano em que a investigação científica nos abriu novos horizontes, como estes mostrados pela BBC.

Capas ou primeiras páginas de jornais e revistas: esta, esta e esta. Também esta.