A Europa espera há cinco meses que a Alemanha consiga um governo estável que possa acompanhar as vigorosas reformas propostas pela França de Macron. Merkel fez concessões para além do imaginável aos debilitados social-democratas SPD, deu-lhes ministérios cruciais como as Finanças, os Estrangeiros, o Trabalho e a Justiça, com a ambição de tornar possível uma coligação forte para tentar governar de modo a recuperar o terreno eleitoral perdido. Mas o acordo negociado pelos chefes, Merkel e Schulz, irrita muita gente em ambos os partidos. Na CDU, Merkel é acusada de fazer saldos de lugares no governo para se aguentar no poder. No SPD, a oposição foi tão forte que Schulz teve de se demitir e colocar o acordo em referendo interno, marcado para o próximo domingo.
Entrar na esfera do poder que distribui lugares pode ser uma tentação para alguns, não o é para outros. Há, dentro do SPD, quem prefira ver o partido fora do governo de Berlim, a refazer-se na oposição. É o que pensa a liderança da organização de juventude do SPD, que está a mobilizar energias por toda a Alemanha a tentar explicar aos filiados mais antigos que o SPD precisa é de reencontrar uma identidade e isso implica recusar entrar na aliança de governo com Merkel.
O que vai sair do voto SPD, no próximo domingo, na Alemanha? Se o resultado for, como é possível, a recusa da coligação (está muito forte o #NoGroKo nas redes sociais), como será resolvida a questão do governo em Berlim? Merkel arrisca tentar conduzir um governo minoritário? A saída será voltar a eleições gerais? Os populistas de direita Alternative für Deutschland (AfD) estarão à espera disso para mostrar que continuam a ampliar apoios, para além dos que lhes deram 95 deputados em 24 de setembro passado.
Na Europa de agora pululam as forças políticas que desafiam os partidos tradicionais. É certo que no Reino Unido o UKIP parece em regressão, mas na Áustria o FPO, de extrema-direita já está no governo de Viena onde gere ministérios como o do Interior, Defesa e Negócios Estrangeiros.
Está no horizonte a probabilidade de a direita mais extrema também chegar ao governo de Roma com as eleições marcadas para o próximo domingo. Tanto que neste último fim de semana o tema principal de uma grande manifestação na capital italiana foi um slogan que se julgava fora do tempo: “Não ao fascismo”. Desfilaram umas cem mil pessoas.
A esquerda parte perdedora, com as suas forças errantes em diferentes correntes de aspirantes rivais. As lutas dentro do centro-esquerda fazem desperdiçar o capital dos bons resultados económicos do governo Gentilloni.
O campo da direita tem dois protagonistas: Berlusconi, que aspira colocar a sua Forza Italia como charneira para fazer maiorias (se for caso disso, até com o centro-esquerda), e Salvini o líder da Lega, ferozmente anti-europeia, com o seu populismo focado na fúria anti-imigração. Mas é uma direita que não aparece com peso eleitoral suficiente: Berlusconi ronda 18% das intenções de voto, Salvini, 15%. Não chega para governar.
A força mais votada tende a ser o Movimento Cinco Estrelas (M5S), que se diz “nem de direita, nem de esquerda”, reclama-se “das ideias e não das ideologias” e, sobretudo, “contra o sistema político”. Atinge eleitores de direita e de esquerda, tanto classes médias como operários e desempregados. O discurso sobre participação cidadã e ecologia cativa à esquerda, o investimento na segurança e no controlo mais rígido da imigração seduz à direita. Porém, a prática do M5S na gestão autárquica da cidade de Roma desacredita o discurso. O M5S apareceu nos últimos cinco anos em torno de um “one man show”, o comediante Beppe Grillo, que atravessou Itália e inundou as redes sociais com o discurso de desdém pela casta política, pela corrupção, também contra a União Europeia e o euro. O artista fundador encheu praças por toda a Itália, mas o líder agora é o muito mais pacato Luigi di Maio. Tem prometidos uns 25% do eleitorado, mas garante que não alinha em coligações. A ser assim, fica fora de soluções de governo. Tende a continuar como força de pressão para um referendo sobre a continuidade (que não quer) da Itália no euro.
A Itália chega às eleições do próximo domingo desarticulada, num clima marcado pelo fervilhar das discussões sobre o retorno do fascismo e por diferentes populismos. Surpreendentemente, a Europa que há meia dúzia de anos tanto desprezou Berlusconi, agora vê nele um baluarte contra os extremismos.
Mas não surpreenderá se, após o voto de domingo, a Itália entrar num impasse político para a formação de maioria, tal como a Alemanha dos últimos cinco meses – e, agora, dependente do referendo interno no SPD.
Na Alemanha, a incerteza é absoluta. Em Itália, comentadores muito experientes como Eugenio Scalfari, fundador do prestigiado La Repubblica sugerem que a saída provisória seja o presidente Matarella assegurar a governabilidade através da continuidade, por seis meses ou mais, do atual governo Gentilloni, de centro-esquerda, em funções administrativas. Depois, novas eleições.
Este começo de 2018 ameaça meter a Europa em grandes incertezas. E já aí vem mais mandato para Putin.
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Xi Jinping é mesmo o novo imperador da China: aos 64 anos, lidera 1450 milhões de cidadãos de um país que se declara República e Popular. Dispõe-se a recolocar a China como império que foi, promete “socialismo com a via chinesa para uma nova era”. Tende a liderar por largo tempo.
Elena Ferrante, agora, para além dos livros, também na preciosa coluna semanal no The Guardian.
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