Contudo, esse amor tal não me impede de a observar objectivamente, elogiando-a e criticando-a, especialmente os seus disparates e, como numa relação de amor, sofrer a desilusão.

Lisboa está cada vez mais moderna, cosmopolita, cheia de vida e pessoas que circulam nas ruas, dando uma nova vida à baixa e outras zonas que, há pouco tempo, ameaçavam morte lenta. Isso deveria bastar para me deixar feliz. Ao contrário, deixa-me cada vez menos satisfeita por ser lisboeta e cá viver. A mudança foi rápida mas não aproximou a cidade dos que cá vivem e, menos ainda, a tornou mais característica. Somos exímios na arte de fazer parecer e numa outra, a de criar castelos no ar. Lisboa está a tornar-se um imenso castelo no ar, sem as infra-estruturas necessárias ou, simplesmente, uma coerência que não deixe a ganância tomar conta disto tudo. A história dá-nos muito exemplos de como fomos confiantes na sorte sem criarmos as bases que permitem, no futuro, consolidar a estratégia que queremos desenvolver. De que falo? Desta urgência em mudar e remodelar para vender e arrendar, ganhar dinheiro sem perceber que isto do turismo também é de vagas e que, o que é verdade agora, pode não ser amanhã. Também é verdade que há cidades que são sempre referência e que conseguimos entrar para a liga dos campeões, ganhando prémios internacionais, atraindo eventos de grandes dimensões e recebendo cada vez mais visitantes. A que preço?

E se, repentinamente, Lisboa deixar de ser a the next big thing e os turistas se concentrarem, por exemplo, em Vilnius, essa cidade que, do nada, pode passar a ser a outra big thing para o turismo e o investimento? O que faremos, então, a tantos tuk-tuk, como rentabilizamos as casas que antes eram de lisboetas, afastados à força para outras zonas e, mesmo, para fora da cidade?

Provavelmente não vai acontecer mas, como em tantos outros momentos da nossa história, ignoramos essa probabilidade.

Depois? Logo se vê.

A renovação dos edifícios não tem equivalente e a abertura de novas lojas mostra um dinamismo económico duvidoso. Sei, contudo, que a cidade ameaça sobre-lotação, numa lógica que quer afastar os carros da cidade — e bem — mas sem criar as condições para que as pessoas abdiquem do automóvel. Ando muitas vezes a pé. Não me importo e aprecio a paisagem. Contudo, fico também mais consciente da poluição na cidade, visual, do ar ou sonora, porque ruído parece ser cada vez mais intenso.

Fui visitar um novo espaço de refeições saudáveis no Chiado e não consegui deixar de pensar nesta questão. Depois de provar as delicias que este propõe, dei por mim a pensar que ando preocupada com a alimentação e um estilo de vida saudável, optando por me deslocar a pé para a promoção da saúde e dar um contributo ao meio ambiente para, simultaneamente, estragar tudo com os gases poluentes que inalo durante o caminho.

Serei apenas eu a ficar incomodada com o som dos carros, as buzinas, os martelos pneumáticos, aviões — que nos dias nublados circulam literalmente por cima da nossa cabeça -, os materiais e as carrinhas da construção civil, autocarros e todo o ruído que está à nossa volta na cidade? Serei também apenas eu a sentir um certo ardor nos olhos que não tem outra explicação se não uma certa sensibilidade ao pó (das obras que estão em todo o lado) e o impacto dos gases poluentes na qualidade do ar? Também não consegui deixar de pensar que ando a cuidar-me por dentro para estragar tudo assim que saio à rua. Cuidados com a pele e o corpo, alimentação natural para, depois, sentir aquele cheiro que não é um cheiro mas não sei descrever de outra forma e que é, obviamente, o fumo dos carros, ou seja, monóxido de carbono e dióxido de azoto? De que me servem as opções saudáveis?

Enquanto caminhava, esta manhã, no centro da cidade, pensava nisto, porque, efectivamente, Lisboa está entre as cidades que ultrapassam o limite de partículas finas inaláveis definido pela Organização Mundial de Saúde, com consequências graves para a nossa saúde. Não se vê, não tem cheiro mas tem impacto e raramente pensamos nisso. Sabem que tipo de doenças resultam da inalação de ar contaminado?… Serei, novamente, apenas eu, a sentir aquela espécie de bafo quente com um odor impronunciável, cada vez que um autocarro, carrinha ou camião passa por mim, na maior parte dos passeios exíguos desta cidade?

Fala-se pouco nesta questão e ainda menos na implementação de medidas para banir os automóveis dos centros urbanos. Há muitos anos empurrámos as pessoas para caixotes nos subúrbios. Esquecemo-nos de que precisariam deslocar-se para a cidade. A área metropolitana de Lisboa é uma imensa extensão da cidade com acessos rodoviários e transportes, no mínimo, duvidosos. De volta ao centro da cidade, fiquei a pensar se adiantará evitar os automóveis e manter autocarros decrépitos, movidos a diesel, bem como as carrinhas de entregas e os restantes veículos pesados, mais os táxis cujo conta-quilómetros já deu a volta e uns quantos furgões que escapam à inspecção. Não tenho solução mas questiono-me sobre estas nossas opções bonitinhas que não vão ao cerne da questão. A dada altura do percurso, dei uma corrida para entrar num eléctrico cuja carreira regressou recentemente, para perceber que o bilhete me custaria tanto quanto uma ida de Uber, com a diferença que, no Uber, vou sozinha, mais confortável, com música e temperatura ambiente à minha escolha, até à porta de casa. O guarda-freio sorriu quando me disse o valor, intuindo a minha reacção:

- São 2,90€ menina…

- 2,90€? Vou a pé. Ou de Uber…

- Eu sei menina…

Segui a pé.

Talvez por ter passado uma parte do meu dia rodeada de produtos naturais, num ambiente em pleno coração da cidade que nos remete para a natureza e uma abordagem mais natural, não posso conformar-me com uma Lisboa que se descaracteriza de dia para dia, que se verga à lógica do que o capital, à ganância do dinheiro fácil e que, sobretudo, repete os erros do passado, investindo pouco numa estratégia que nos permita, a todos, sermos mais saudáveis e, sobretudo, felizes.

Lisboa, mudou a sua identidade, ignora a sua história e perde a sua alma e isso, não é bom.