Faz agora um ano, Le Pen era um sobressalto em França, tal como a extrema-direita na Holanda. O voto francês trouxe Macron e a vontade de retorno da Europa aberta ao mundo e outra vez em crescimento económico, após uma década de depressão. A Europa recuperou confiança, Macron tem sido o principal promotor do relançamento e está à espera do entendimento em Berlim entre Merkel e o SPD para progredir com ideias que reforcem o ideal europeu.

É sabido que a atual geração de líderes políticos está confrontada com questões que não se colocavam aos líderes precedentes. Kohl e Mitterand não tinham as alterações climáticas, a mundialização, o terrorismo e as migrações como temas principais. São as questões agora no topo da agenda europeia, com visões políticas que separam profundamente os países ocidentais dos do centro-leste da Europa.

O voto de 4 de março em Itália pode vir a abrir brechas na relativamente coesa frente ocidental da Europa. A Itália é a terceira maior economia da União Europeia e a instalação em Roma de um governo com perfil nacionalista eurocético tende a complicar o progresso da ambição proclamada por Macron, e acompanhada por Merkel, de novo protagonismo europeu.

A Itália chega a estas eleições com cenário político muito volúvel, com partidos frágeis e ambíguos, e sem lideranças claras. Os peritos dos institutos de sondagens apontam tendência para ingovernabilidade.

A tradição das últimas décadas coloca o sistema político italiano assente em dois pilares: a Democracia Cristã e o Partido Comunista. Ambos colapsaram no final do século XX. O espaço ideológico da direita veio a ser catalisado em torno de Berlusconi, com o partido Força Itália e um império mediático, enquanto a esquerda tem explorado múltiplas experiências (a Coisa, a Oliveira, agora o Partido Democrático) e lideranças.

A crise financeira de 2008 contribuiu para estilhaçar mais a paisagem política italiana, sendo que a personagem principal, Berlusconi, caiu entre as acusações de fraude fiscal e o escândalo das ceias bunga-bunga.

Foi assim que apareceu o Movimento 5 Estrelas (M5E), criatura política que assentou o discurso na hostilidade ao sistema político. Teve como primeira figura um cómico, Beppe Grillo. Agora, o líder deste partido penta-estrelado é Luigi di Maio, tenta afastar o radicalismo  mas está longe de alguma moderação – clama constantemente contra os migrantes e a intervenção das ONG, que chama de “taxistas do mar”. O M5E aparece com à volta de 28% das intenções de voto e sonha com formar um governo minoritário, com apoios ocasionais, provavelmente da Liga.

A Liga que Umberto Bossi fundou como o partido que reclamava a independência do rico norte de Itália “contra a ladroagem de Roma”, está refundada por Matteo Salvini, agora com um discurso quase exclusivamente focado na segurança. Quer expulsar meio milhão de migrantes. É um partido soberanista, inspirado no discurso da FN francesa.  A Liga consegue aparecer com 13% das intenções de voto e explora um entendimento com a Força Itália, de Berlusconi.

Silvio Berlusconi já chefiou o governo italiano por três vezes: em 1994 e 1995, de 2001 a 2006 e de 2008 e 2011. Condenado em 2013, por fraude fiscal, ficou inelegível até 2019. Mas ele não esconde que ambiciona voltar a governar. Há quem argumente que há uma porta por onde passar para conseguir: o chefe do governo pode ser alguém que não é eleito, apenas tem de ser aceite pelo Presidente da República e passar no parlamento. É improvável, ainda que não impossível. Tende a aparecer como o patrão do jogo político: as sondagens dão ao bloco de direita à volta de 36% das intenções de voto. Berlusconi quererá escolher um dos seus para chefiar o próximo governo de Itália.

O centro-esquerda italiano volta a ser liderado por Matteo Renzi. Há três anos, este florentino irrompeu como um furacão político. Chegou a chefe do governo, acumulou fracassos e demitiu-se. Regressa agora e projeta pactos com formações dissidentes à esquerda. O Partido Democrático, de Renzi, aparece nas sondagens com à volta de 28% das intenções de voto. Não chega para a ambição de formar governo, mas há quem sugira a grande coligação com a Força Itália de Berlusconi.

Qualquer dos cenários aponta para grande ingovernabilidade em Itália, a partir de 4 de março. Mas a instabilidade política é algo a que os italianos estão habituados. A questão é a de agora haver uma crescente onda de egoísmo nacionalista.

VALE VER:

O raid racista em Macerata alerta que é preciso travar os discursos políticos que semeiam o ódio.

Um testemunho sobre o valor da decência e da qualidade do jornalismo.

Kiribati vai continuar a resistir, à superfície?