Por curiosidade, enfiei a minha cabeça numa série de artigos académicos sobre a influência e poder das redes sociais e deparei-me com as distopias que fizeram as minhas delícias quando adolescente adepta ferrenha de fantasia e ficção científica. Na verdade, vi para lá de todas as criações literárias, porque o universo made by George Orwell é uma brincadeira de crianças comparativamente com a nossa realidade. Mesmo séries afamadas, como Person of Interest de J. J. Abrams com enfoque na manipulação e controle, reconhecimento visual e possibilidade de gerir à distância vidas alheias é mais real do que nos apetece reconhecer.

É difícil abdicar da nossa privacidade. Queremos saber que existe um espaço só nosso, pensamentos que não compartilhamos e, muitas vezes, certos vícios. Antes da internet mantínhamos a posse de algum controle. Agora cedemos a estar controlados. São múltiplas as empresas que compram bases de dados com os nossos hábitos de consumo e que os atiçam para níveis superiores utilizando habilmente as redes sociais. Se fez like num certa camisa, é certo e sabido que lhe surgirão mais camisas apetecíveis nos próximos dias, surgirão no seu feed como algo que está lá “naturalmente”. Nada há de normal neste reconhecimento dos seus gostos, na construção indevida do seu padrão de comportamento. Digo indevida porque nenhum de nós compreende na exactidão o que autorizamos cada vez que carregamos no botão que diz aceito ou concordo. A tal protecção de dados tornou-se relativa e uma putativa autorização é, conceptualmente, risível. Conclusão: além de sermos padronizados contribuímos muito para as altíssimas facturações de empresas que anunciam no Facebook.

"Tudo se desmoronou com a publicidade direcionada, que roubou o dinheiro do jornalismo e o usou para sustentar plataformas cuja lógica não é educar, informar ou responsabilizar os poderosos, mas manter as pessoas 'engajadas'. Essa lógica de 'engajamento' é motivada pela necessidade dupla de agregar mais dados e mostrar mais anúncios, e manifesta-se por algoritmos que valorizam a popularidade em detrimento da qualidade. Em menos de 20 anos, o Silicon Valley substituiu as regras editoriais por medidas matemáticas de popularidade, desestabilizou os sistemas democráticos de freios e contrapesos prejudicando o Quarto Poder e martelou mais um prego no caixão da privacidade", lê-se ainda num artigo da Motherboard, assinado por Nathalie Maréchal.

Ok, até damos de barato que podemos ser engavetados num terminado padrão e que nos tentem com anúncios que apelam ao nosso consumo. Mas não estaremos certamente confortáveis com reconhecimentos faciais que nos controlam e identificam o que fazemos e como o fazemos. Há pouco tempo, discutia-se a questão da angariação de bases de dados fotográficos com relevância cronológica por causa de uma “brincadeira” do Facebook: o desafio dos dez anos [#tenyearchallege]. Mostrar como éramos e como somos. Claro que, inteligentemente, muitas pessoas escolheram mostrar imagens da Síria há dez anos e agora, ou do Iémen ou ainda do Pólo Norte.

Kate O'Neill, escritora da revista Wired, escreveu um editorial explorando a possibilidade de que #tenyearchallege fosse mais do que diversão: “Imagine que quer treinar um algoritmo de reconhecimento facial em características relacionadas com a idade e, mais especificamente, na progressão da idade (por exemplo, como é que as pessoas tendem a ficar à medida que envelhecem). Idealmente, desejaria um conjunto de dados amplo e rigoroso com muitas fotos de pessoas. Ajudaria se soubesse que as mesmas fotos foram separadas por um número fixo de anos, digamos, 10 anos”. Pois.

E, é evidente, a teoria da conspiração serve-nos de pouco nestas coisas. Quem quer embarcar, embarca. Da mesma forma que escolhe jogar e perceber que personagem da Disney seria ou coisa que o valha, autorizando o acesso a todos os amigos, contactos e seguidores. É mais fácil não pensar nisto.

Da mesma maneira, é consideravelmente mais fácil não querer saber como se constroem fake news através de bots, perfis falsos, que manipulam opiniões, que acicatam ideias e extremismos. Mesmo que se façam reportagens dignas desse nome sobre a questão, lemos as gordas, mas achamos um exagero. Não é exagero. Os sites de notícias falsas são os mais vistos online. Em Portugal, segundo a Obercom, 60% dos portugueses consomem notícias nas redes sociais. E para que servem as notícias falsas? Para ajudar a cumprir agendas e objectivos, para eleger políticos, para promover ódios, diferenças, disparidades, mas também para dar muito dinheiro a ganhar aos proprietários desses sites. O Google afirma ter bloqueado receitas publicitárias indevidas em dois milhões de páginas na internet. Por mês. Em 2017, por causa da violação de regras e de questões éticas 320 mil editores foram retirados da rede publicitária do Google. Noventa mil sites e 700 mil apps de telemóvel constam de uma "lista negra". Mas a desinformação e a contra propaganda estão aí. Os neuropolíticos são uma profissão de sucesso e nós somos, afinal, apenas brinquedos activados por fios. Não estamos interessados em apurar, em saber realmente como as coisas se passam, pois não?