O prémio é também um incitamento aos democratas do Magrebe e do mundo árabe, designadamente os do Egipto, país que com o general Sissi voltou aos piores pesadelos de antes de 2011, e os que ainda possa haver na Líbia, país sem Estado, à mercê de grupos tribais e campo de treino para terroristas, para que não desistam da procura da chama que foi esperança na revolução de 2011, talvez ligeira e precipitadamente designada de primavera árabe. É uma primavera que deu em inverno, excepto nesta Tunísia onde a ambição democrática conseguiu impor-se à guerra civil latente e à deriva para sociedade teocrática.

O Quarteto para o Diálogo é formado por quatro pilares da sociedade civil tunisina: uma federação sindical, uma união patronal, a ordem dos advogados e a liga para os direitos humanos. O Quarteto constituiu-se em julho de 2013. A Tunísia precipitava-se então no caos e a esperança nascida em janeiro de 2011 – quando o sacrifício de um vendedor ambulante de fruta levantou uma onda de indignação que levou à queda do presidente autocrata Ben Ali – estava a afundar-se. Tinha havido eleições, ganhas por um partido islâmico que se agarrou ao poder e não cumpria as promessas de progresso social e económico. Os atentados contra dois deputados líderes de movimentos pelos direitos humanos estavam a atirar a Tunísia para a guerra civil entre fanáticos do regime islâmico e a resistência laica e democrática. Foi então que se formou o Quarteto para o Diálogo. Tornou-se um milagre.

Tornou-se possível, pela força do empenho do Quarteto, juntar à mesma mesa forças políticas rivais: os islamitas moderados do partido Ennahdha, os partidos de esquerda e os liberais conservadores. Também diferentes forças sociais. Foi conseguido um plano reconciliação nacional alicerçado no diálogo entre religiosos e laicos. Tornou-se possível redigir e dar vida a uma constituição - extraordinária, para um país árabe - que define a Tunísia como sociedade plural e democrática e que consagra os direitos fundamentais e o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, sem distinção de género. As mulheres tunisinas alcançaram que o seu estatuto ficasse protegido na constituição.

É facto que os fundamentalistas, com recurso ao terrorismo armado, têm tentado sabotar o compromisso histórico entre o islão político e o campo laico que o Quarteto para o Diálogo fomentou. Todos nos lembramos da onda de choque pelos dramáticos atentados, em março passado, por entre as obras-primas no museu do Bardo, em Tunis (24 mortos, muitos deles turistas) e em junho, na praia de Sousse (38 turistas massacrados). O terrorismo tentou e continua a tentar destroçar o turismo, principal motor da economia tunisina.

Muitas das aspirações básicas dos tunisinos continuam por conseguir: o desemprego é maciço, a juventude só vê esperança na emigração. A economia está estagnada ou em recessão. As infraestruturas estão degradadas, o investimento estrangeiro não aparece, a solidariedade internacional tarda. E a ameaça caótica do terrorismo paira sobre toda a região afetada pelo vazio aberto com o desastre líbio, pelo retrocesso egípcio, pela guerra na Síria e pelas incertezas na Argélia, no Mali, no Níger e outras vizinhanças onde o terreno está cada vez mais hostil à convivência. Agora mesmo recrudesce (alerta geral, como é possível não parar esta tragédia!) a violência entre Israel e a Palestina.

Apesar de todo esse cenário adverso, o Quarteto para o Diálogo, na Tunísia, é um extraordinário exemplo de abertura de caminhos para a reconciliação. Dá força à paz e ao pluralismo. Dá força ao respeito pelos direitos das pessoas, nomeadamente – e nesta região há que o destacar – as mulheres. Dá força à sociedade que quer distinguir a religião da política. O Quarteto é um extraordinário exemplo de arte do compromisso e o Nobel da Paz é uma inteligente homenagem à sociedade civil da Tunísia. O prémio Nobel da Paz é um reconhecimento. Mas não bastam os prémios. Importa que este fôlego para continuar se traduza em ajuda concreta.