Por razões variadas, em Março fará dois anos que estou em casa. Não tenho um sítio para onde ir trabalhar, um escritório, um atelier. A pandemia reorganizou a minha maneira de trabalhar e, embora não possa dizer que tenho muito menos trabalho, há um ritmo que abrandou. Isto é a realidade. A percepção dos outros é uma conversa completamente diferente. Nestes quase dois anos já ouvi coisas como: “Ah, estás em casa, tens tempo...”; “Deixaste de ir trabalhar, boa vida!”. E outras pérolas que não importam, mas que têm o dom de me enervar.

Não só mantenho muito trabalho diário, como estou em casa. Isto significa que faço uma máquina da roupa enquanto vejo um texto; faço a cama de lavado enquanto falo ao telemóvel; preparo o jantar e vou tomando notas para fixar ideias; recebo o canalizador enquanto escrevo; vou à farmácia em dez minutos, mas mantenho o e-mail em estado de alerta no telemóvel; levo o cão à rua; mudo a água às flores; estendo a roupa, dobro roupa; em última análise, tenho uma crise de nervos à conta da roupa; atormento-me com a capa do edredão que desapareceu e coisas assim; deito peúgas perdidas fora, já não perco tempo à procura da reunião familiar e comovente entre peúgas órfãs. Também é verdade que como em dez minutos, em pé se for caso para isso, e atendo chamadas a desoras; cumpro com prazos e consigo gerir, pelo menos, três ou quatro coisas em simultâneo. Conclusão, pareço um episódio de uma série de comédia, só que não.

Quando começaram a dizer-me, ao fim de quase 35 anos de vida profissional muitíssimo activa, “Ah, estás sem fazer nada”, só por estar em casa, comecei a atribuir preços às minhas tarefas. Querem saber quanto ganharia se contabilizasse cada tarefa doméstica que faço diariamente? Mais do ordenado mínimo. Se não fazer nada, quando se está em casa, pode ser ideal e talvez a realidade de muitas pessoas – arrisco-me a dizer que na maioria serão homens –, para as mulheres a vidinha é sempre outra. Em resumo, não tenho um emprego, tenho dois. Se pensar bem, sempre tive, porque mesmo quando estava a trabalhar fora de casa continuava a ter de despachar a roupa, a comida, os miúdos, o cão, a farmácia e o supermercado. Eu, como porventura dirão todas as mulheres portuguesas, digo que estamos cansadas. Por que será?