A verdade é que nós entramos numa qualquer praia do estrangeiro com a presunção de um enólogo que prova o vinho da casa numa tasca. Em qualquer lado do Mundo, assim que põe o pé na areia, o português torna-se num banhista profissional, num sommelier de águas do mar, num fashionista de chapéus de sol, num geólogo de falésias, num oceanógrafo e num meteorologista. Não somos propriamente pretensiosos quanto à música clássica, mas somos indubitavelmente uns snobs das praias.
Em primeiro lugar, porque fomos mal habituados. A maioria dos portugueses vive a menos de uma hora de uma praia que já terá sido considerada uma das “mais bonitas do Mundo” num guia qualquer. Não quero dizer "do Mundo" porque a soberba fica-nos mal, mas Portugal tem, diria, as melhores praias de todos os países da NATO. Há uma notória abundância de boas praias, que instiga um sanguinolento conflito sobre qual a melhor. E se, em Portugal, podemos caminhar em direção ao mar à confiança, em viagem - de facto - temos de ter cautela.
No estrangeiro, usa-se o termo “praia” por dá cá aquela palhota. Quando o Google identifica um local aqui nos Estados Unidos como "praia", eu desconfio. Não dá sequer para acreditar nas fotografias, já que a partir de determinados ângulos qualquer pontão pode parecer Copacabana. Estive em Miami e a conclusão é clara: qualquer praia da Costa da Caparica é demasiada areia para a camioneta deles. Como acontece com a pizza napolitana ou a carne wagyu, devia haver um procedimento de certificação de praias, com os mais básicos requisitos. Em primeiro lugar, tem de ter areia. Sítios compostos apenas por lancinantes calhaus que dilaceram a palma dos pés? Excluídos. Depois, importa a extensão do areal. Se não consegue comportar as medidas de um campo de futsal, não é uma praia. Por último, não pode ter um parque de merendas. Se tem um parque de merendas, é automaticamente uma praia fluvial, mesmo que seja sita num local banhado pelo mar.
A escassez de boas praias na generalidade dos territórios face à nossa abundância é um problema. Qualquer dia, a malta apercebe-se disso e nunca mais nos larga. É essencial pararmos de gabar as nossas praias junto de forasteiros, antes que seja tarde. Nos dias de hoje, até as praias do Norte Litoral estão sob esta ameaça. Praias que usufruíam da proteção ambiental da frase "são praias muito bonitas, mas faz muito frio" e que estavam, por isso, a salvo de hordas de turistas. Contudo, podem em breve ser alvo de invasões bárbaras. É que as alterações climáticas podem ser duplamente trágicas: tornam as zonas amenas em zonas insuportáveis e, pior, as zonas fresquinhas em zonas amenas. Praias para as quais era preciso levar um casaquinho agora dispensá-lo-ão. Águas que gelavam o sangue, agora transformadas em tépidas piscininhas. Casas em que se dormia de cobertor em Agosto a precisar de ar condicionado. Salvem o clima: acaba-se a nortada, acaba-se o sossego.
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