Durante a semana, para não apanhar enchentes, Anita meteu-se a caminho que, como se sabe, tem de ser de carro, que estas coisas ficam fora de mão. Chegou e não viu e venceu, nada disso. Para já, viu-se grega para encontrar um funcionário que desse informações (funcionários são as pessoas com coletes de cor forte, não são as senhoras com fitas métricas na mão) e, depois de ter conseguido encontrar um cidadão informado, e com contrato de trabalho (presume-se), foi confrontada com isto: se quiser falar com alguém, são dezanove euros e meio. Se quiser uma "consulta" de graça com um especialista ("consulta" é um termo que eu escolhi, só por me parecer mais divertido), pois marque um zoom.
Marcar o quê? Um zoom, senhores. Uma daquelas reuniões virtuais popularizadas por essa coisa que mudou a nossa vida, e cujo impacto real ainda está por avaliar, ou seja, a designada pandemia.
Bom, sem ter necessidade de velas, ou de outras coisas que se montam mais facilmente com ajuda do que sem ajuda, a nossa putativa compradora dirigiu-se ao seu automóvel, sem demoras. Era importante marcar uma conversa virtual com o especialista e avançar com a remodelação.
Como se trata de coisa para custar três mil ou mais euros, deduzo que a empresa tenha interesse neste tipo de cliente. Parece que não. A minha dedução cai na terra da incredulidade, que é onde a malta vai parar sempre que não sabe se ria, se chore.
Marcada a dita reunião zoom, chegado o dia e a hora, a putativa cliente, cheia de interesse, ficou à espera. Teve tempo para verificar mensagens no telemóvel, responder a emails, fazer um jogo ou outro com aquela lombriga que come coisas e cujo nome não me ocorre, teve tempo para dar água a algumas plantas, afagar o cão e considerar se, afinal de contas, "Vamos" não teria sido uma boa opção de nome canino.
Teve tempo de ligar ao marido. Teve tempo de perceber que o frigorífico talvez precise de uma atenção extra. É triste quando o frigorífico se revela apenas um deserto frio e sem cor. Em resumo, teve uma hora de espera, a ver a mensagem automática que indica que deve aguardar e respirar que a malta já o atende. Não atende nada.
Ao fim de uma hora, o ecrã encheu-se com um comunicado oficial, indicando a impossibilidade de realização do encontro e, vá, tenha paciência, marque outra sessão. Outra sessão?
Qual é a lição a tirar deste episódio? Fazer remodelações não é fácil, uma empresa como o IKEA tem o seu discurso assente na facilidade e rapidez; a desumanização é um processo crescente; dezanove euros e meio para falar com um especialista é como quem diz: fazer dinheiro com facilidade. Mas vá que até estávamos interessados, difícil difícil é conseguir apanhar um funcionário.
Conclusão? Já nada é o que era e, se for ao IKEA e não encontrar funcionários e balcões de x em x metros, como antigamente, encolha os ombros, aceite ou consulte uma empresa portuguesa perto de si... Ou não, porque o meu carpinteiro não me atende o telemóvel desde setembro e até parece que não sou eu o cliente, é ele que faz o favor de, por vezes, quando lhe dá para aí, considerar o que eu necessito e, por acaso, tenciono pagar sem demoras.
Podemos encarar este episódio com o seu aspecto caricato e está tudo bem, rimos e encolhemos os ombros, despejamos um “francamente” indignado e siga. A pergunta que vos deixo é esta: e se quem precisa de ajuda for uma pessoa de idade? Alguém que tem mesmo de comunicar pessoalmente, para saber como resolver o seu problema? Dirão, ah, pois terá de pagar os dezanove euros e meio. E pronto? Seguimos?
Neste momento, o atendimento personalizado tornou-se, portanto, um luxo. E quem, por diferentes razões, não domina as novas tecnologias, ou não tem um computador/smartphone? Onde estamos neste momento? Na desumanização que cria toda uma outra série de incapacidades.
Ter-se-á a empatia tornado uma espécie em vias de extinção?
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