Uma jovem participa num peddy tascas e a noite termina com um colega a violá-la. Podemos resumir este caso assim. O jovem alega que o envolvimento foi consentido e “plenamente normal”. No entanto, os juízes consideraram as declarações "inverossímeis" face à prova produzida. O violador é condenado a indemnizar a vítima em 20 mil euros e a uma pena de prisão de quatro anos e seis meses. Mas a pena é suspensa na sua execução. Ou seja, não foi preso.
Vidas destruídas, vingança e o futuro do violador
O violador, cujas declarações foram descritas como inverossímeis — não esquecer — foi ainda criticado, pelo coletivo de juízes, por se apresentar "como a vítima" em todo o processo e por não manifestar empatia pela jovem sobrevivente "nem depois de assistir às declarações emotivas da mesma". O crime é corroborado pelo Instituto da Medicina Legal, cujo relatório é compatível com a violação, provando que havia material genético do violador na jovem, cuecas e collantes que ele rasgou.
No entanto, a pena não acompanhou as críticas que o conselho de juízes teceu, antes pelo contrário. Em vez de verem um violador que abusou de uma jovem alcoolizada — em situação de vulnerabilidade, e que em vez de garantir a segurança dela, decidiu violá-la, aproveitando-se da sua embriaguez —, os juízes optaram por ver um jovem que, por estar socialmente integrado, a ameaça de prisão seria adequada. Isto é, decidiram dar uma palmada nas mãos para que ele não repita o mesmo. A questão é: a ameaça de prisão não é efetivamente o mesmo que a execução real da pena, como simbolicamente, poderá ser lida de forma completamente oposta.
O conselho refere ainda que "o tempo da punição pela punição já lá vai e o tribunal não aplica penas para saciar sentimentos de vingança”; pergunto-me, que vingança? O tribunal devia ser um exemplo de justiça. O conceito de vingança não se coloca aqui. Não da forma como vejo a aplicação da lei. O conselho indica ainda que “a esperança do tribunal é que, perante isto — e o senhor é muito novo —, assuma a sua responsabilidade, como homem, como cidadão e ganhe consciência do que fez". Que responsabilidade poderá o violador assumir, quando o tribunal suspende a pena? O que esperam de um violador, no papel de homem, quando o próprio conselho criticou a postura durante o processo por não apresentar empatia? Acharão os juízes que o violador ganhará consciência depois de ver a pena suspensa pelos mesmos?
Por último, o tribunal termina com "os tribunais não servem para destruir as vidas das pessoas". Estamos de acordo, o tribunal deve ser o local onde se pratica a justiça, cega e livre de preconceitos, e onde é exemplo para que os criminosos recebam sentenças proporcionais aos crimes cometidos. O tribunal não quis aplicar a pena, alegando que não servem para destruir as vidas, mas esquecem-se de que a mensagem que passou foi em relação às vidas dos violadores, e não das vítimas. A preocupação pelas vidas destruídas só parece funcionar para proteger os violadores, não as vítimas.
O bom violador e o futuro brilhante
Os violadores com um futuro brilhante à sua espera e que não podem ver um “errozinho” estragar toda a sua vida, não é novidade. Em 2016, nos Estados Unidos, Brock Turner violou uma mulher e foi condenado a apenas seis meses porque o juiz Aaron Persky achou que uma pena superior “teria um grande impacto sobre ele”.
O caso de Coimbra e este estado-unidense, são apenas dois de vários casos nos quais as penas são leves ou suspensas com vista a não estragar a vida dos violadores ou o potencial futuro que poderão ter. Naturalmente que estas medidas são alvo de críticas, nomeadamente porque a severidade do crime não é proporcional à pena. Em muitos destes casos, o impacto do trauma que a violência sexual tem nas vítimas é passado para segundo plano e a vida das vítimas parece não ter qualquer valor aquando das sentenças ou nas decisões. A mensagem que estes casos têm é que as vítimas de violação têm zero valor, com particular peso para as mulheres e raparigas vitimadas note-se. Posto isto, perante estas condenações, como podemos pedir às vítimas para denunciarem os crimes?
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Ângelo Fernandes é o fundador da Quebrar o Silêncio — a primeira associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual — e autor do livro “De Que Falamos Quando Falamos de Violência Sexual Contra Crianças?”, um guia dirigido a pais, mães e pessoas cuidadoras com orientações para a prevenção do abuso sexual de crianças.
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