O empresário de guerras Yevgeny Prigozyn, o russo que é patrão da rede de mercenários Wagner, já reconheceu que a batalha de Bakhmut está a ser uma “trituradora de carne”. Nenhum dos lados assume as perdas, mas os serviços de “inteligência” ocidentais estimam que a batalha pelo território daquela, já totalmente devastada, cidade estratégica tenha causado “bastante mais de 40 mil mortos”, só entre os combatentes. 

A revista Der Spiegel relata que um relatório dos serviços secretos alemães, BND, reportaram a uma comissão especial do parlamento alemão que “há mais de 100 combatentes mortos em cada dia em volta de Bakhmut”.

Esse mesmo relatório aponta número maior de baixas do lado russo porque “vão para a frente sem qualquer tática inteligente de combate, apenas com ordem para atacar e desgastar”. São combates bairro a bairro, rua a rua, casa a casa. Há evidência de que muitos dos combatentes Wagner são carne das prisões reconvertida em carne para canhão. 

A uns 1000 quilómetros por estrada para leste de Bakhmut, dentro da Rússia, numa região onde o rio Volga muda de direção e avança para o mar Cáspio, está Volvogrado, que noutros tempos (1926/1961) se chamava Estalinegrado. Foi, na Segunda Grande Guerra, o limite da expansão da Alemanha nazi no território soviético.

A cidade de Estalingrado esteve sitiada pelas tropas de Hitler entre 23 de agosto de 1942 e 2 de fevereiro de 1943. A história conta-nos que esses 163 dias da Batalha de Estalinegrado são o episódio mais trágico da Segunda Grande Guerra, com as mortes contadas em milhões, entre civis e militares.

Os alemães queriam chegar aos campos de petróleo do Cáucaso. Em agosto de 42, com as vastas forças blindadas do quarto batalhão Panzer e do batalhão do sexto exército, os alemães cercaram Estalinegrado pelo norte e pelo sul. Entraram em grande parte da cidade, mas os soviéticos souberam organizar valente e intransponível resistência nos vastos bairros fabris que envolvem a enorme zona das fábricas. Ao fim de dois meses de combates, a maior parte do centro da cidade já estava em ruínas. Mas Estaline deu ordens às tropas russas para continuarem a armadilhar a progressão dos alemães com emboscadas nas ruínas da cidade, ao mesmo tempo que concentravam o máximo de forças na zona fabril.

Foi a fase da rattenkrieg, a guerra de ratazanas. Estaline, logo em agosto, deu a ordem de proibição de rendição. Foi anunciada uma linha de infantaria com ordem para fuzilar quem tentasse desertar. Os combates foram cruéis, alguns em corpo a corpo. A atração dos alemães para o centro de Estalinegrado era uma armadilha, visava criar condições para que outros batalhões soviéticos preparassem o cerco aos alemães que tinham recebido o reforço, ordenado por Hitler, de tropas da Itália de Mussolini, também com soldados húngaros e romenos.

O clima de inverno cada vez mais hostil estava a tornar-se um inferno para os invasores. Mas Hitler, tal como Estaline, proibia a desistência.

O marechal Paulus, comandante dos exércitos nazis, avisou Hitler de uma vantagem dos soviéticos: tinham a demografia a favor. Estaline ordenou a mobilização de todos os homens naquela vasta região e assim ficou possível substituir sem pausas todos os soldados que caíam. Ao mesmo tempo, juntavam sempre mais tropas para a planeada tenaz de cerco aos nazis. A maior parte, tropas sem qualquer preparação. Foi enviar gente para a carnificina.

Resultou. Ao fim de 163 dias de tremendos combates, o marechal Paulus desobedeceu a Hitler e capitulou. A Segunda Grande Guerra começou a voltar-se contra o agressor alemão.

Agora, quem tem sabedoria destas guerras, está a comparar a batalha de Bakhmut com a de Estalinegrado. Mortes e mais mortes em volta de uma cidade onde só há ruínas. Zelenski ordena aos comandos militares ucranianos que continuem a resistir obstinadamente em Bakhmut.

Parece evidente que quer ganhar tempo, até passar a contar com os sofisticados tanques alemães, britânicos e americanos.

É assim que Bakhmut está a ser uma carnificina como a de Estalinegrado noutros tempos. É demasiado cruel.