Quando André Ventura diz que não é presidente de todos os portugueses devemos ser complacentes. A verdade é que, em princípio, André Ventura nem sequer é o líder partidário de todos os militantes do Chega. Há múltiplas comparações de André Ventura com Donald Trump, mas aqui penso que acontece um fenómeno político inverso àquele que ocorreu na América. Nos Estados Unidos, foi Donald Trump quem destruiu a institucionalidade do Partido Republicano; em Portugal, dá a ideia de serem os militantes de base e os baronetes do Chega que estão a arranjar um embaraço público a André Ventura.

Não é que André Ventura seja o arquétipo do protocolo, mas por certo que a luta interna pelo poder, exposta publicamente pela reportagem do jornalista Pedro Coelho, deve atrapalhá-lo. Pouco a pouco, vai caindo por terra a ideia de que o Chega é um partido fora do sistema. Sendo complicado manter essa narrativa face às evidências, o Chega pode perder aqueles que o partido atraía pela novidade, pela suposta ausência de vícios próprios das organizações que há muito habitam o poder. Desfeita a ilusão, Ventura pode perder o potencial de crescimento e o partido poderá ficar reduzido à sua base de extrema-direita radical. Que surpresa. Quem diria que cega sede de poder de Ventura criaria um partido de cegos sedentos de poder?

O facto é que o Chega não é só um partido como os outros. É bastante pior. O Chega é uma start-up de poder que excitou um lago de tubarões. É um Casal Ventoso das influências, onde pouco importam as ideias para o país. Essas mudarão constantemente até chegarem a um equilíbrio entre o apelo populista e a conveniência para os interesses dos seus financiadores. Aguardo com expectativa a próxima versão do programa político do Chega, já que Ventura tem tentado desmentir aquele que foi apresentado nas legislativas, tratando-o como se fosse um documento datado. O Chega não é um partido dos que não têm dinheiro nenhum e não se sentem representados. O Chega é um projecto de vaidade dos que têm muito dinheiro, mas que ainda não tinham arranjado quem intercedesse por si.

É aqui que entra a castração dos Chegófilos. Dos que projectaram o seu descontentamento com o sistema na pessoa de André Ventura. Perceberão, mais tarde ou mais cedo, que Ventura não quer drenar o pântano, quer é uma parte do pântano para si. O Chega está a castrar os Chegófilos, não física ou quimicamente, mas no sentido em que o seu projecto de poder é castrador: limita e constrange a expressão da frustração do seu eleitorado. Estavam à espera de alguém que lhes permitisse usar a sua voz, e não de ver a sua voz a ser usada. Em breve, irão à procura de um Chega do Chega.

Recomendação

Esta série.