«O Chesta morreu? O Naite ou o Cite?», pergunta Jorge Jesus. Too soon? Concordo, o Chester só tinha 41 anos. De cada vez que morre uma celebridade, de forma precoce e trágica, não consigo deixar de pensar que estou a ver uma novela onde, invariavelmente, há sempre alguém de boas famílias, rico e privilegiado, que sofre de uma doença terrível, só para que os pobres sintam que o importante é ter saúde.
A única morte de um famoso que me emocionou foi a do Robin Williams e desde que me tiraram a Mrs. Doubtfire que mais nenhuma morte mediática me afetou, por muito que goste do trabalho que o cadáver em questão fez antes do rigor mortis. A morte do Robin Williams teve a ironia de percebermos que quem dedica uma vida a rasgar sorrisos na cara de desconhecidos pode estar profundamente infeliz. Um comediante deprimido é a caricatura real do palhaço triste, com a diferença que o primeiro tem de esconder as suas lágrimas porque só fazem rir se forem de brincar. Com o Chester, de certeza que também houve muitos adolescentes que encontraram nos Linkin Park uma ajuda para não se suicidarem e isso é de uma ironia que só a vida real sabe escrever.
Com os cantores, quase que podemos dizer que morrer de overdose ou de suicídio é morrer de causas naturais à profissão. Quando vimos a manchete das notícias a dizer «Morreu Amy Winehouse» não precisámos de ler o artigo para saber que a morte dela não teria sido devido a um acidente de bungee jumping ou de congestão na praia. Foi o que foi e toda a gente já estava à espera. Uma notícia inesperada seria a seguinte "Cantor famoso morre aos 93 anos de causas naturais da velhice". Custa-me sentir empatia por alguém que, aparentemente, teria a vida que todos nós gostaríamos de ter: ganhar milhões a fazer o que mais gosta, sem ter de apanhar o metro à pinha de manhã nem ter de dar satisfações ao chefe por o relatório ainda não estar pronto. Custa-me não olhar para estes cantores que tinham tudo na mão e pensar "ingratos do caraças, anda o Dona Arminda a vergar a mola das 6h as 20h, a limpar retretes de gente rica, e nunca cometeu haraquiri com um piaçaba, e vem este badameco e põe termo à vida". Ainda pior quando se tem filhos, que só me faz pensar que há ali uma grande fatia de egoísmo e narcisismo essencial a todos os grandes artistas. Eu sei que a doença mental e a depressão não escolhem estratos sociais, mas permitam-me dizer que uns têm mais legitimidade para estar deprimidos do que outros.
A morte é a melhor estratégia de marketing no mundo do espetáculo: é ela que cria lendas e bandas de culto, especialmente se for trágica e precoce. Tivesse o Miguel Ângelo morrido de overdose de pastéis de nata, antes de lançar o álbum «Saber Amar», que os Delfins nunca seriam alvo desta piada. A morte de alguém famoso torna-se, rapidamente, num concurso para ver quem era mais fã, num misto de tristeza e umbiguismo que leva algumas pessoas a dizer que ele nunca se podia suicidar sem pensar nos fãs que o idolatravam. Se virmos bem as coisas, é a fama em demasia que os mata. Foram os fãs que o mataram com o seu amor. Estou profundo, hoje. Nenhum gajo de uma banda de covers que toca em bares por duas imperiais e uma sandes mista, só de queijo, se suicida.
O suicídio é mal visto na sociedade, seja por questões religiosas ou porque fica o amargo de boca de que algo poderia ter sido feito para ajudar aquela pessoa. No entanto, o direito a escolher como e quando vamos morrer é, filosoficamente, um privilegio. A maioria de nós não faz ideia e receia a morte por isso mesmo, pela sua imprevisibilidade. Não sabemos se vamos ter tempo de nos despedir, se vamos ficar em sofrimento, acamados durante anos sem podermos falar, mas ouvimos tudo e no lar deixam-nos sempre a televisão ligada nas «Tardes da Júlia» sem que possamos pedir para que, por favor, desliguem ou mudem de canal. Fosse a vida o «Big Fish» do Tim Burton - em que podemos saber o dia e a hora da nossa morte - que aproveitaríamos mais o nosso tempo. Quem se suicida tem esse poder de escolher, um misto de cobardia e coragem, de egoísmo e de libertação.
A maioria de nós vive até aos 80 em que mais de metade desse tempo foi passado num trabalho que não nos dá grande prazer e só o fazemos porque temos contas para pagar e queremos passar quinze dias de férias em Armação de Pera. Os artistas que morrem cedo fizeram a vida toda aquilo que fariam de borla. Viajaram o mundo todo e nunca tiveram de preocupar-se com dinheiro e contas para pagar. Podem morrer cedo, mas a maioria de nós sofre de morte prematura mesmo que o coração ainda bata. Pesadas as coisas, talvez seja melhor viver 40 anos a todo o gás do que 80 em banho-maria. O que é certo é que "In the end, it doesn't even matter" [No fim, nem sequer importa].
Deixo-vos com um pequeno poema:
Morreu alguém conhecido, hoje?
Não? É pena.
Um RIP dá sempre tempo de antena.
Likes e partilhas que a falsa empatia ordena
Um RIP são lágrimas de crocodilo egocêntrico
Num ritual de masturbação ao ego concêntrico
Já RIP in Peace…
é só parvoíce.
Sugestões e dicas de vida:
Não se suicidem na linha do comboio. Há que ter respeito por quem cá fica e tem horas para chegar a qualquer lado.
Não se coloquem a apanhar banhos de sol encostados às arribas da praia porque não há nada mais inútil do que desenterrar um cadáver para o voltar a enterrar.
Se estiverem no fundo do poço, não tenham vergonha em pedir ajuda e recorrer a um psicólogo. Pensem que estão a ajudar quem tirou um curso com baixa empregabilidade.
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