O “The Economist”, num artigo que vale a pena ler, considera que a Invasão da Ucrânia “marca uma nova era de guerra económica de alto risco que pode estilhaçar ainda mais a economia mundial.” Isto porque, embora sanções económicas aos beligerantes sejam tão velhas como a beligerância, desta vez estão a acontecer numa escala inédita.

A Federação Russa tem um enorme papel na economia mundial – muito maior do que supúnhamos – pois é o maior exportador de gás natural, o terceiro de petróleo, o maior produtor de diamantes e segundo de platina e juntamente com a sua vítima, o maior produtor de trigo, e está no topo da lista de uma série de produtos indispensáveis para a civilização. Em termos financeiros, coloca-se em sexto lugar quanto a reservas de moeda.

Quando uma economia destas dimensões é apagada do mercado global, os efeitos directos e indirectos tem um nível telúrico. Não é a primeira vez que o país sofre sanções pelo seu mau comportamento, mas nunca foram muito grandes, devido aos habituais interesses económicos ocultos, e não chegaram a afectar seriamente a Federação Russa, e muito menos outros países. Mas é a primeira vez que o corte é profundo e alargado. Outros países que passaram pelas mesmas limitações (de importar, exportar e negociar), como a Venezuela, o Irão, ou a Coreia do Norte, não têm uma massa crítica sequer comparável.

Outro aspecto inédito das sanções é que não se ficaram pelas medidas governamentais; segundo estimativas constantemente crescentes, mais de 300 empresas decidiram cortar relações com tudo o que é russo. Entre essas entidades, que vão desde petrolíferas a federações desportivas, estão todas as denominações de valor global. Uma lista está aqui. A procissão inclui empresas indispensáveis para a vida dos cidadãos russos, como as dos cartões de crédito (Visa, MasterCard) ou de distribuição por grosso (Maersk, dos contentores) e a retalho (DHL, FedEx); marcas de automóveis e de bens de consumo (McDonald's, Carlsberg), roupa, electrodomésticos, etc. etc. Há ainda a considerar a Netflix, YouTube, Spotify, e todas as que podem proporcionar entretenimento a quem tem de ficar em casa escondido da miséria na rua. As companhias de aviação acabaram com os destinos russos e os aeroportos não deixam aterrar as aeronaves da Aeroflot ou particulares com registo russo. E, é claro, o ditador já ameaçou que pode cortar o gás e o petróleo para a Europa, que anda a ver como o pode substituir até 2030.

Ao nível particular, milhares de oligarcas viram as suas propriedades (mansões e iates) apreendidas, contas bancárias congeladas e investimentos confiscados.

Os russos – quer dizer, Putin – decidiram retaliar, bloqueando o Facebook, Twitter, BBC, Deutsche Welle e até a app de conversa Zello. Também declararam que equacionam nacionalizar as propriedades das empresas que optaram por sair, uma medida colossal se levarmos em consideração as cadeias hoteleiras internacionais, como o Hilton, que possuem muito imobiliário nas principais cidades do país.

É como se a Rússia desaparecesse do mapa – um buraco no planisfério. Claro que haverá sempre países (China, Arábia Saudita), instituições financeiras e operadores oportunistas que hão de arranjar uma maneira de contornar algumas sanções, mas as suas possibilidades são muito limitadas. Até a Suíça, que sempre se considerou “neutra”, congelou as contas russas – se isto não diz tudo...

Os cépticos não deixarão de considerar que este espectáculo pode ser de curta duração. Terminada a guerra (com a conquista da Ucrânia, presume-se) o tempo se encarregará de aliviar as restrições. Mas desta vez os cépticos talvez estejam enganados. Por um lado, Putin vitorioso na Ucrânia vai virar-se para os seus outros alvos, os países da ex-União Soviética que não se puseram a salvo, entrando para a NATO e/ou para a União Europeia. Por outro lado, o estrago na economia russa e mundial levará anos a recompor-se. 

Vale a pena incluir aqui as palavras de Nicholas Mulder, professor de História da Universidade de Cornell:

“Não é só os atingidos pelas sanções, mas também as ambições dos que as impõem são as maiores de sempre. Se o objectivo da guerra económica do Ocidente é acabar com a guerra de agressão de Putin na Ucrânia, então a História sugere que serão necessárias medidas diferentes. As sanções, só por si, não têm dado resultado a travar as aventuras militares. Durante o século XX, apenas três das 19 tentativas de usar sanções foram bem sucedidas; duas foram feitas pela Liga das Nações. Cortou pela base as guerras fronteiriças nos Balcãs, entre a Jugoslávia e a Albânia em 1921 e entre a Grécia e a Bulgária em 1925. A terceira foi a pressão norte-americana sobre a libra esterlina, que obrigou ao fim da expedição militar britânica ao Canal de Suez, em 1956.

As (actuais) sanções ocidentais certamente que obrigarão a um ajustamento doloroso e afectarão a possibilidade da Rússia de fornecer uma grande variedade de bens ao mercado mundial; 6% do alumínio, 7% do níquel, 12% do petróleo, 18.19% do trigo e gás natural, e um quarto do fornecimento de cobre.” 

É duro, mas não é fatal.

Esta guerra, como todas as outras, há de acabar e será lembrada com desgosto, mas as consequências só são permanentes para os coitados que morreram em combate.

E já agora, a título de brinde, aqui vão cinco livros que dizem muito sobre a Ucrânia, que até há pouco tempo nem sabíamos que era um país diferente da Rússia:

  • The Gates of Europe: A History of Ukraine. Serhii Plokhy. Basic Books
  • Borderland: A Journey Through the History of Ukraine. Anna Reid. Basic Books
  • Red Famine: Stalin’s War on Ukraine. Anne Applebaum. Doubleday
  • Death And The Penguin. Andrey Kurkov. Vintage
  • Odessa Stories. Isaac Babel. Pushkin Press

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