Mesmo à beira da linha de fronteira luso-espanhola na freguesia de Beirã, no município de Marvão, funciona uma estimulante experiência de educação doméstica. Uma vintena de crianças portuguesas, espanholas, alemãs, brasileiras e de outras nacionalidades cujos pais escolheram viver nesta região raiana nas faldas do Parque Natural da Serra de São Mamede, têm modelo alternativo de aprendizagem em salas dedicadas no belo edifício da antiga estação ferroviária da Beirã, cuja fachada com azulejos  imediatamente nos remete para o arquiteto Raul Lino.

A estação era o terminal português do infelizmente desativado Ramal de Cáceres (o último Lusitânia Comboio Hotel passou por ali em 2012, antes de ser deslocado para o traçado da Beira  Alta), mas o conjunto de edifícios da estação está revitalizado com uma Train Spot Guesthouse, tem o Rail Bike que oferece pedalar nos carris que eram para os comboios e tem aquele espaço educativo.

Os prazeres dos espaços turísticos têm sido contados por quem se dedica ao jornalismo de viagens. Mas a interessante experiência educativa que merece acompanhamento – até para que possamos avaliar se é estimulante replicá-la – não chega às notícias. Porquê? Por não haver jornalistas por perto. O Alentejo está um quase deserto em bases para cobertura jornalística. As redações são raras, os repórteres correspondentes também. Esta mesma pobreza ocorre por muito do país interior.

Para que nas cidades possamos compreender, por exemplo, os devastadores efeitos da seca nas comunidades rurais não nos basta que um repórter de Lisboa ou do Porto vá episodicamente visitar o campo. É preciso que o jornalista esteja lá a acompanhar de modo continuado a vida das pessoas e o que se passa na terra.

Para que possamos compreender a racionalidade do fecho ou da necessidade de manutenção de um serviço local de saúde, importa que tenhamos acesso aos factos do dia a dia investigados e tratados pelo jornalista correspondente local.

A democracia funciona melhor se as comunidades tiverem repórteres a contar com rigor o que se discute e é aprovado nas assembleias municipais ou de freguesia. Precisamos de jornalismo.

O nosso entendimento da realidade fica enriquecido se pudermos saber de acontecimentos e experiências em comunidades locais e regionais. Os jornalistas locais ou regionais, repórteres multifunções, são os representantes das comunidades locais e regionais nas redações dos media de ampla cobertura.

Quando se proclama a aspiração de coesão social no território, importa ter em conta que para essa harmonização ser conseguida, também é preciso que haja repórteres para dar a conhecer o que de relevante acontece na comunidade local ou regional.

O problema não é apenas português.  Nos EUA surgiu, ampla, a Rebuild Local News, associação “sem fins lucrativos e sem ligações partidárias que tem por missão promover políticas públicas para combater o colapso das notícias locais, revitalizar o jornalismo comunitário e, assim, fortalecer a democracia”. A Rebuild Local News associa mais de 3.000 redações locais nos Estados Unidos. Apetece encontrar motivação assim em Portugal para fortalecer e promover qualidade no jornalismo local e regional.

É necessário que a sustentabilidade dos media seja um tema na agenda política. Está em causa a defesa dos valores em que assentam as sociedades democráticas.

Por mais que custe a perspetiva mercantilista, os media, para além de desenvolverem um serviço público com valor cultural determinante, são uma indústria. Que atravessa metamorfose turbulenta e de evolução incerta.

Uma utopia digital que já passou

Do mesmo modo que há uma vintena ou trintena de anos foi possível trabalhar soluções  que possibilitaram superar em Portugal a crise de indústrias (a do têxtil, a do calçado, a das conservas e tantas outras) que precisaram de apoio na adaptação à reconversão, é preciso, neste campo tão diferente, promover medidas que apoiem a sustentação de empresas jornalísticas que garantem informação livre, independente, fiável, imparcial e plural.

A ilusão de conteúdos jornalísticos gratuitos é uma utopia digital que já passou. Não é possível investir na produção de um produto que requer muito trabalho, esforço e meios, e depois distribuí-lo de borla.

Na ambição ideal, o objetivo de uma empresa jornalística não é o de gerar lucros financeiros para os proprietários. É o de produzir um bem público: informação de alta qualidade que nos permita entender o mundo à nossa volta, tanto o que está mais perto como o mais longe.

O jornalismo é, tal como a educação, a saúde ou a segurança, um serviço público. Por ser um bem público, a informação não pode estar apenas à mercê do mercado.

É necessário desenvolver sistemas de apoio público a quem presta esse serviço público de fornecer informação diversificada, com garantia de rigor, independência, transparência, pluralismo e compromisso ético.

Importa que seja desenvolvida a relação de confiança entre quem produz jornalismo e quem o consome. Importa proteger essa missão fundamental do jornalismo: informar, esclarecer e dar a compreender, nunca a de influenciar ou manipular a opinião pública. O jornalismo é a força que temos para enfrentar a desinformação que se propaga em modo avassalador.

O poder político, de quem se espera a aspiração de contribuir para o bem público, tem o dever de contribuir para a promoção do valor que é a informação produzida pelo jornalismo, ingrediente essencial para cidadãos esclarecidos, condição determinante para escolhas democráticas sustentadas.

A independência jornalística assenta na independência financeira. O jornalismo em contexto de mercado teve alicerces no último século num modelo de negócio baseado nas receitas  da publicidade, complementadas pelas das vendas em assinatura ou avulso. Agora, salvo algum caso excecional, não há solução de mercado sustentável para este modelo.

“O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico"

O artigo 38º da Constituição da República Portuguesa define que “O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas”.

Há uma obrigação que a Constituição atribui ao Estado envolvendo os meios de Comunicação Social. O atual momento convoca, com urgência, a discussão e decisão por parte do poder político.

Não é de pretender que os políticos promovam ajudas diretas do Estado às variadas empresas de media.

Com uma exceção: cumpre, obviamente, ao Estado financiar as empresas de media de que é proprietário e que prestam fundamental serviço público contratualizado – e importa que esse financiamento corresponda à exigência de qualidade, excelência e diferenciação na prestação desse serviço essencial para, ao favorecer a coesão social e o conhecimento, promover a ligação entre todas as comunidades e a sua cada vez mais forte emancipação. O serviço público contratualizado com o Estado implica obrigações fora do interesse de quem se orienta apenas pelo que garante audiências.

Mas, fora do serviço público a cargo dos media do Estado, também cumpre ao Estado proteger o jornalismo.  Cabe aos políticos promoverem, por exemplo, apoios do Estado ao desenvolvimento da literacia mediática e ao interesse na informação jornalística – é desnecessário reforçar que essencial para que cada cidadão faça escolhas informadas.

É de importância fundamental promover esse interesse entre os mais jovens. Medidas como a facilitação de assinaturas para que esses mais novos sejam introduzidos no consumo do jornalismo são uma interessante possibilidade que merece ser ponderada no parlamento; tal como o apoio  (deduções fiscais em sede de IRS) mais genérico a assinantes de serviços jornalísticos. Esta é uma das possibilidades de vitalização também de projetos jornalísticos locais e regionais.

A promoção do consumo do jornalismo que está tão baixo (tanta gente que acredita que através do que lhe aparece no ecrã do telemóvel sabe o que precisa de saber) é um modo de apoiar as empresas.

Há mais a fazer: é desejável que o Estado promova medidas como as de apoios públicos à qualificação profissional e tecnológica de empresas jornalísticas – com planos específicos para consolidação de iniciativas jornalísticas nas comunidades locais e regionais.

Estamos numa época em que o mercado não está a dar sustentabilidade à produção jornalística.

É preciso intervir de modo eficaz para defender o bem público que é o jornalismo.

Não se trata de proteger o mercado. É proteger o bem público.