No dia 5 de Janeiro, uma mulher é encontrada morta na zona de Lagoa. O marido jazia ao lado. De acordo com a Polícia, tratou-se de um homicídio seguido de suicídio. Foi a primeira mulher a ser morta neste novo ano, em Portugal. Tinha entre os 50 e os 60 anos de idade.

Um dia depois, era domingo, dia de Reis, uma mulher portuguesa é morta à facada pelo companheiro, em Toulouse, França. A vítima tinha 29 anos. Antes de morrer conseguiu telefonar ao irmão a pedir ajuda. O irmão não chegou a tempo, bateu à porta da casa da vítima e foi-lhe devolvido apenas silêncio. No dia seguinte, a porta foi arrombada, a filha da vítima, de seis anos, dormia no quarto. O alegado assassino pôs-se em fuga.

No dia 11 de Janeiro, um homem de 83 anos de idade matou a mulher, com a mesma idade, e a cunhada, também ela octogenária. O homem disparou uma arma de fogo com o objectivo de se suicidar. Não conseguiu e acabou por morrer no bloco operatório num hospital lisboeta.

No mesmo dia, foi encontrada Vera Silva, de 30 anos, no Pragal, Almada. Era empresária. De acordo com a autópsia, foi morta ao soco e pontapé, sem recurso a qualquer outro objecto.

Sete dias depois, uma mulher de 70 anos foi morta no Dafundo, Oeiras. Mais uma vez, o acto é classificado como um caso de homicídio e suicídio: o marido, de 71 anos, estava ao seu lado. Ambos mortos por tiro de caçadeira. A filha encontrou o casal morto.

No dia 28 do mesmo mês, uma mulher de 48 anos de idade foi encontrada morta na sua casa, em Santarém. De acordo com a Polícia de Segurança Pública, a mulher foi agredida violentamente. Era brasileira. O caso está com a Polícia Judiciária.

No último dia do mês de Janeiro, uma mulher foi encontrada morta pela GNR em Moimenta da Beira. A mulher vivia com os dois filhos pequenos, de dois e cinco anos.

No dia 4 de Fevereiro foi encontrada uma mulher morta no Seixal. Tinha 60 anos.  O genro da vítima é o principal suspeito e leva consigo a filha. Mais tarde, o mesmo suspeito terá telefonado a indicar o local onde se encontrava a criança: no porta bagagens do seu carro, morta aparentemente por asfixia. A criança chamava-se Lara. A mãe de Lara fez tudo bem, perdeu a mãe e a filha. E agora?

Ontem, dia seis, um homem de 39 anos tentou matar a ex-mulher, da mesma idade. Passou-se tudo na zona industrial de Nelas. O homem disparou uma arma de fogo contra a cabeça da ex-mulher. O homem foi detido, ambos tiveram de ser assistidos no hospital Tondela-Viseu. A Polícia Judiciária de Coimbra ficou com o caso nas mãos.

Falemos em feminicídio. Falemos em moral. Em cultura. Não falemos em saúde mental, porque, nesse caso, estamos a desresponsabilizar e a dizer que há uma perturbação mental que afecta, maioritariamente, homens e cujo mote é a violência contra as mulheres, namoradas, mães, filhas. Falemos em Justiça. E, acima de tudo, falemos em exercício de poder.

Na maioria dos casos, estes ou as dezenas de casos passados durante o ano de 2018, as histórias não se explicam racionalmente, mas existe sempre a ideia de poder, de subjugar a mulher, de a humilhar, de a deter à força.

Feminicídio. Esta é uma palavra que nos deve envergonhar. Mais uma vez, a educação para a paridade, para as relações de respeito e consentimento mútuo, isentas de sentido de posse, é crucial. Os estudos que apontam para uma crescente violência no namoro são alarmantes, mas que fazemos nós para dizer aos mais jovens que a violência não é caminho?

O primeiro-ministro diz que reúne hoje com o ministério da Justiça, ministério Público, Procuradoria Geral e forças da autoridade. Que é uma vergonha vivermos num país onde as mulheres morrem assim. Muito bem, reúnam. Entretanto, talvez não morra mais nenhuma mulher. Entretanto, o juiz que cita a Bíblia e alega que as mulheres adúlteras, enfim, já se sabe, podem ser mortas em alguns países, levou uma reprimenda e, imagino, continuará a presidir a casos de violência doméstica.

Seja qual for a sua intervenção, senhor primeiro-ministro, não se fique pela teoria, nem pela organização de mais uma comissão para discutir e analisar. É urgente travar a violência, o feminicídio a que assistimos dia após dia. A Lei tem de ser dura e eficaz, importa ter exemplos que possam atemorizar potenciais abusadores/assassinos, importa que as potenciais vítimas sintam que possuem mecanismo eficazes de defesa e meios de auxílio concretos. Se uma pessoa faz queixa, se consegue dar esse passo, não pode ser ignorada.

Ao longo da História, as mulheres têm sofrido de excesso de silêncio, de negligência por parte do Estado, de teorias absurdas de comportamento. Já chega. Hoje, se tudo correr bem, não lerei nenhuma notícia de mais uma morte. E amanhã?