Não queres alugar um T1 por 2500 euros em Lisboa? A pergunta dá vontade de atirar com um pano encharcado na cara de alguém, certo? Eu sou assaltada por email todos os dias, com propostas de uma imobiliária, para apartamentos com tipologias distintas. Os preços são absurdos. Impensáveis. A crise da habitação é real. Viver em Lisboa é demasiado caro. Os mais jovens não conseguem ter empregos com contratos, é tudo precário e um T1 custa 2500 euros. Haverá mais barato, mas nada abaixo dos mil euros, ou, existindo, é mais uma casota do que um espaço com dignidade para um ser humano habitar.
Queres ir ver os Jogos Olímpicos a Paris? Vais de low cost, ficas na casa de um amigo... Outro pano encharcado. Os bilhetes custam entre os 800 e os mil e tal euros. Ninguém que eu conheça irá ver os Jogos Olímpicos ao vivo e a cores. Consola-me saber que não perderei pitada, através dos canais de desporto disponíveis por cabo; consola-me saber que posso ver repetições, câmaras lentas e tal.
Queres encontrar uma unidade de cuidados para um familiar que não custe o valor de um rim no mercado negro (de acordo com as séries de televisão)? Aqui temos mais um pano encharcado que, para mais, levará outros consigo, porque a questão da assistência médica, e das possibilidades reais de acomodar alguém em situação verdadeiramente debilitante, são de fazer perder a cabeça a qualquer um.
Queres... as perguntas sucedem-se e eu já sem panos para atirar seja a quem for, mesmo que só metaforicamente. Há um impasse. Vivemos num impasse e na impossibilidade de vislumbrar condições para as gerações mais novas. Viver em casa dos pais parece-me uma fatalidade. Como ver os Jogos Olímpicos por cabo. Ou como ver com desgosto os familiares a serem chutados de um lado para o outro, sem dignidade ou condição. Sim, sou completamente a favor do SNS, não cuidem, mas além da burocracia, o factor humano conta. E aí, como em tudo, podemos ter sorte ou muito azar. Quando temos muito azar e queremos procurar alternativas, pensamos no tal mercado negro cinematográfico e desesperamos. Hoje desespera-se muito em Portugal.
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