O encontro, que ficará certamente na memória de uma centena de empreendedores teve lugar no Museu da Eletricidade em Lisboa. Costa olhou-nos e disse: “Hoje, estou aqui para vos ouvir!”. E durante duas horas estes foram, um a um, sem ordem, e à flor do momento, partilhando problemas e indicando, em alguns casos, vislumbres de eventuais soluções.
O CEO de Portugal e os seus VP ’s de Economia, Manuel Caldeira Cabral, e de Tecnologia, Manuel Heitor, a par do Director João Vasconcelos, tomaram notas durante a tarde, escutaram atentamente tudo o que foi dito, num processo de brainstorming pouco habitual, em que os governantes e políticos falaram apenas 5% do tempo disponível - quanto habitualmente são os atores políticos a ocupar 95% do espaço de comunicação. E, curiosamente, sem jornalistas ou câmaras a gravar.
Entre estes empreendedores estavam muitos daqueles que o ecossistema reconhece como seniores - como a Vera Moura da Treat U, o Miguel Pina Martins da Science4You ou o Gonçalo Fortes da ProdSmart, entre outros -, mas também aqueles que, apesar de mais jovens no ecossistema, estão cheios de energia, como o Jorge Rodrigues dos Santos da MagniFinance. Enfim, estávamos todos lá, todo o empreendedorismo português representado, porque o importante foram as ideias e estou convencido que o exposto reflecte grosso modo questões transversais.
Mas do que se falou afinal? Que propostas foram feitas?
O CEO de Portugal resume-o ao dizer: "deveria ter trazido todos os ministros, porque as ideais, reflexões e propostas não dizem respeito só à Economia e Tecnologia, mas à Justiça, Finanças, Saúde e Educação, com elevada complementaridade”. Sendo que eu acrescentaria sobretudo Interdisciplinaridade e Multidisciplinaridade.
Um dos temas foi a questão da empregabilidade e educação. Se por um lado há desemprego, por outro este mercado das startups necessita de competências específicas e, nessa medida, há dois níveis de sugestões.
Por um lado, é consensual no ecossistema a necessidade de formação mais especializada e prática, menos académica, e aqui os politécnicos poderiam ter uma palavra a dizer, por exemplo, não para atribuição de graus, mas competências relacionadas com o tecido empresarial, adequando a oferta às necessidades. Por outro lado, como existe necessidade de atrair recursos humanos seniores e experientes para empresas com necessidades de escalabilidade urgente, há que criar condições fiscais para que seja possível atrair estes ativos, que trazem valor aos projetos, mas cuja influência é transversal ao ecossistema.
Uma questão lateral a esta é a formação em “empreendedorismo". Bem, neste caso tenho um comentário muito pessoal: não vejo a necessidade de se criarem "novas disciplinas", basta que se aposte na disciplina de História e se ajuste o programa. Temos centenas de casos e boas práticas de empreendedorismo do povo português à escala global, mas este é um comentário de um ex-docente de História do ensino básico e secundário, na vida antes do empreendedorismo.
Num outro nível de complexidade há que regular as SOP (Stock Options Plan). Neste campo estamos muito desatualizados, mas sobretudo sem competitividade. Uma das ferramentas para atrair quadros de alto valor são as SOP, e enquadrar do ponto de vista fiscal e jurídico esta questão, seguindo exemplos de boas práticas do Reino Unido por exemplo, é urgente para potenciar recrutamento de Advsiors ou quadros C-level para Startups. Aqui junta-se a ambição de um enquadramento fiscal deste tema, cujos passos já dados pelo atual Governo são relevantes, mas há que continuar esse caminho. Ainda ao nível do recrutamento, as Startups, empresas em fase de início de atividade, necessitam de especial flexibilização nas suas relações contratuais, bem como ver reguladas as questões tributárias de colaboradores em trabalho remoto, para facilitar entrada em novos mercados ou atrair talento para acrescentar valor aos seus projectos.
Uma questão que parece menor, mas que em Portugal ainda é arcaica, é a de legislar no sentido de possibilitar assinaturas digitais em atas de conselhos de administração e assembleias de sócios, porque a existência destas restrições geram entropia quando se quer atrair sócios ou investimento não nacional.
Outras das ambições é de a AICEP, que tem um papel muito relevante como promotor de relações comerciais entre empresas portuguesas com diferentes mercados do mundo, seja mais Startup Friendly, porque muitas vezes pode ter um papel fulcral até na potenciação de Joint Ventures. Têm apenas de ajustar o seu mindset de "grandes empresas" para "emergentes ou nano, mas de grande potencial".
A questão fiscal foi, naturalmente, a área mais citada... mais especificamente a carga fiscal, a discriminação positiva, que outras áreas da economia em Portugal também ambicionam. No entanto, foram também partilhados problemas a este nível, como a necessidade da desmaterialização das facturas (não obrigar à sua impressão) ou a necessidade de simplificar a forma como os sistema de facturação se ligam com as Finanças, passando pela gestão dos prazos. Uma das ideias colocada em cima da mesa foi a criação de Zonas Francas para certas áreas de negócio, como drones ou robótica, em locais de baixa densidade, para atração de mais investimento.
Por falar em investimento... todos queremos mais e melhor investimento. Mas ver uma tecnologia disruptiva que pode salvar vidas e que está a menos de 5 anos do mercado falhar porque não há "dinheiro suficiente" em Capital de Risco, porque os "cheques" em Portugal são "pequenos", significa que temos de nos tornar mais competitivos e atrair mais investimento. Todos reconhecemos que muito já foi feito, mas, tal como nos nossos negócios, para competir com os melhores e maiores é preciso mais!
A ideia não é fazer um relato extenso de tudo, porque estou certo que o Governo e a Portugal Ventures, representada ao mais alto nível pelo seu CEO, Celso Guedes de Carvalho, tomaram notas. E todos os Founders e CEO’s saíram ontem esperançados deste encontro, mas sobretudo gratos por lhes ter sido dado voz como inter pares. Penso que ontem o Governo ficou com registo de necessidades para legislar e regular até ao final da presente legislatura, tudo em prol de Portugal.
O Paddy, CEO do WebSummit, também esteve presente, mas com ou sem WebSummit, importante é o que fica, o que muda, mas sobretudo o que melhora, porque empreendedores somos todos os que queremos fazer mais e melhor, por contra de outrem ou por conta própria. E porque há mais vida além do empreendedorismo, há que inspirar a sociedade a ser mais optimista, mais exigente, com maior ambição para inspirar Portugal.
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