E de vacinação, claro. As primeiras vacinas já chegaram a Portugal e amanhã os primeiros bracinhos portugueses vão começar a ser trespassados pelas agulhas que injectarão ciência líquida nos corpos. Eu sei que muita gente agora acha que a ciência – séculos e séculos de ciência acumulada – é facilmente desmontada com um vídeo de YouTube que os media não passam porque estão todos comprados. Mas todos mesmo, não há um único jornalista decente no mundo actual e só podemos confiar nestes novos arautos da verdade que vivem na cave da mãe e que, felizmente para a humanidade, dedicam todo o seu tempo a fazer estes vídeos que nos mostram como o Bill Gates quer inserir chips em toda a gente para nos controlar. Por acaso, todos os algoritmos que fazem as pessoas caírem nestes rabbit holes da internet e não conseguirem de lá sair, não são nada ferramentas de controlo a que a cedemos voluntariamente, o problema é mesmo as vacinas e a imprensa.

Daqui o meu “vamos lá ver como corre”, mas na verdade estou bastante optimista. Como não estar? Tivemos um ano completamente surreal. Chato para uns, indiferente para outros, horrível para tantos e tantos. Demasiados. Se a vacina não nos der esperança, o que é que dará? Outro vídeo do YouTube com um adolescente meio fascista a dizer que a culpa é da China e que não deviam existir chineses? Ou com um adulto noutro vídeo que grita para a sua webcam que sabe mais do que médicos e cientistas que estudam nas suas áreas há décadas, só porque ele leu num blog que o chá de gengibre cura até o cancro da próstata? Vá lá, temos que ser melhores que isto enquanto humanidade.

Parabéns aos que descobriram em 2020 que as farmacêuticas são monumentos capitalistas sempre prontas a fazer dinheiro de todas as maneiras que puderem. Mas, e por mais que abomine o sistema, isto não faz de todos os investigadores uns monstros. A grande maioria dos médicos do mundo quer mesmo o bem das pessoas. A grande maioria dos jornalistas não é minimamente corrupta, mesmo que, como é óbvio, existam uns melhores que outros, uns com mais viés que outros. Os políticos e as instituições não são todos corruptos que vivem num conluio para destruir o resto da humanidade. É tudo um sistema extremamente complexo e que tem de ser constantemente escrutinado se queremos ir para melhor, para uma sociedade mais saudável, mais justa, mais igualitária, claro. Mas temos mesmo que conseguir por vezes afastar-nos das coisas para ver o plano geral, para ver esta complexidade toda e não cair nas respostas fáceis para coisas tão difíceis: “o Bill Gates quer dominar o mundo”, ou “a culpa é dos judeus”, por exemplo.

Amanhã tem de ser um dia em que celebramos a ciência, os profissionais de saúde, os trabalhadores fundamentais como os professores ou os cantoneiros. Tem de ser um dia de esperança para todos por sabermos que já faltou mais para voltarmos a poder andar livremente fora de casa. E quem diz fora de casa, diz fora da cave da mãe.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Uma História da Filosofia: compêndio da história da filosofia, como bem indica o nome. Ainda estou no início, mas a gostar muito.
- The Circle of Evil: Documentário sobre o círculo próximo de Hitler. Muito bom.