O certo é que hoje me pus a pensar na diferença que há entre comunicar à distância e estar com a outra pessoa. Já muitas vezes escrevi que não tenho nada contra estas tecnologias que assustam tantas pessoas. Quando usamos o telemóvel, estamos um pouco mais próximos de alguém que estaria longe de nós de outra forma. Quando vivemos em países diferentes, as chamadas de vídeo são um alívio. Comunicar à distância é melhor do que nada... E, no entanto...
Ler ou ouvir
Comecemos pelo correio electrónico. É utilíssimo — e tem a magnífica vantagem de não exigir a atenção imediata do nosso interlocutor. Assim, se alguém estiver concentrado numa tarefa, pode ignorar sem mal as mensagens que recebe. No entanto, todos nós sabemos os equívocos que uma mensagem escrita pode criar: é tão fácil imaginar frieza onde havia apenas alguma pressa em escrever; é tão fácil encontrar alguma ofensa onde havia apenas uma piada de circunstância.
O e-mail não tem cheiro, não tem textura, não tem som nem tom. Ficamos desorientados e nem sabemos como começar a mensagem. Há regras — claro que há —, mas até que ponto podemos, na relação com cada pessoa, passar à frente dessas regras e assumir maior informalidade? É difícil! E, no entanto, quando escrevemos, tudo aquilo que queremos dizer parece tão, tão claro...
Às vezes, um telefonema basta para evitar os tais equívocos. Ouvir a hesitação nas palavras, o humor no tom de voz, a alegria da entoação... Tudo ajuda! É um passo de gigante na proximidade... E, no entanto...
Ouvir ou ver
Falo por mim, mas sei que não sou o único — o telefone é, em muitos casos, um terror. Será uma manifestação da minha timidez particular, mas fico, por vezes, parado a arranjar coragem quando tenho de telefonar a alguém.
Temos a voz, é certo — mas a voz é quase nada: precisamos de ver a cara, o gesto, o franzir dos olhos, a direcção do olhar, os lábios e o sorriso ou a falta dele.
Assim, mesmo quando temos de comunicar à distância, ter a imagem da pessoa ali no pequeno ecrã faz diferença... É bom ver as caretas daqueles que estão longe.
Às vezes, nem é preciso mais do que uma fotografia: no meu trabalho em tradução, colaboro com pessoas de todo o mundo. É muito mais difícil escrever um e-mail se nunca tivermos visto a cara da outra pessoa... Saber o aspecto dessa outra pessoa real ajuda-nos a não tratar as mensagens dos outros como o resultado dum qualquer programa de computador que anda a falar connosco por razões obscuras.
Sim, a imagem do outro ajuda muito. E, no entanto...
Ver ou cheirar
Não é tão bom quando, por fim, estamos mesmo com a outra pessoa? Podemos falar todos os dias por telemóvel ou escrever mensagens intermináveis — e, mesmo assim, a saudade só desaparece quando sentimos a outra pessoa perto de nós, com o movimento do corpo, o exacto som da voz ali ao pé de nós, o cheiro preciso daqueles cabelos e daquela pele. Só então há qualquer coisa que se resolve e estamos, por fim, juntos.
É também por isso que enchemos as mensagens de correio electrónico de pequenos símbolos, pontuação em excesso e outros truques para fingir que estamos ali, a sorrir ou a piscar o olho. Tentamos compensar o que falta ali. Ao telefone, repetimos despedidas, entoamos tudo de forma mais marcada. Nas chamadas de vídeo, fazemos gestos quase teatrais. Tentamos quebrar a distância dos corpos com o exagero daquilo que temos — e não chega, nunca chega.
Tudo porque não somos máquinas a comunicar num código exacto e preciso: somos animais, bichos que precisam uns dos outros, com cheiro e corpo e uma imensa necessidade de estar perto dos outros — enfim, nem todos os outros, claro está: mas aqueles que nos fazem falta. Não há ecrãs que cheguem, vídeos que satisfaçam essa antiga necessidade de sentir o cheiro do cabelo de quem está longe, a respiração acelerada da pessoa que nos faz falta quando por fim damos aquele abraço.
Comentários