O juiz que, em Vancouver, lá no Canadá debruçado sobre o Pacífico, tem para decidir se confirma ou não a detenção de Meng Wanzhou e se a remete para a extradição pretendida pelos EUA, está sob o fogo cruzado de duas altas pressões externas: por um lado, a do governo da China que já avisou que a manutenção da detenção de Meng é um “sequestro” pelo qual o Canadá “vai pagar alto preço”; por outro, o sistema político-judicial dos EUA que faz do caso de Meng uma batalha crucial na guerra comercial protecionista que Trump está a abrir com a China e, sobretudo, pela estratégica liderança da tecnologia de comunicações – questão que para os EUA é tema essencial de segurança nacional.
Meng Wanzhou foi detida pela polícia canadiana, chamada a executar um mandado internacional de detenção emitido nos EUA. A detenção ocorreu no aeroporto de Vancouver, ao começo da madrugada de sábado, 1 de dezembro, precisamente quando 12 mil quilómetros mais a sul, em Buenos Aires, nas margens da cimeira do Grupo G20, terminava o que parecia ser um bem sucedido encontro entre os presidentes dos EUA e da China. Diz-se que a reunião correu bem porque Trump e Xi Jinping conseguiram, pelo menos, o acordo para uma moratória por 90 dias no disparo para 25% das taxas alfandegárias entre os dois países, o que estancou a escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Se a notícia da detenção de Meng tivesse chegado a Xi antes do final do jantar, era caso para bloquear logo o acordo para essa moratória para negociações.
A detida em Vancouver tem para os chineses o valor estratégico que Zuckerberg tem para os americanos. Meng, aos 46 anos, é mulher mais poderosa no mais avançado colosso da tecnologia chinesa de telecomunicações, a Huawei.
Meng Wanzhou, tratada pelos amigos ocidentais por Sabrina, é a princesa da Huawei: é filha de Ren Zhengfei, 76 anos, o ex-engenheiro do exército da China que, há 32 anos, fundou, em Shenzhen, o que começou por ser uma fábrica de telemóveis de baixo custo. Essa empresa tem hoje 180 mil trabalhadores, está na vanguarda da inovação e é líder global no desenvolvimento da tecnologia 5G, que é o grande salto para o futuro em telefonia móvel. Meng é vice-presidente, tem o pelouro financeiro, vasta agenda internacional, e é há muito vista como a sucessora do pai no trono da liderança da Huawei.
A Huawei é ponta de lança do desenvolvimento tecnológico da China. Os smartphones da Huawei já ultrapassaram os iPhones da Apple no mercado mundial. A liderança global continua a ser da Samsung, mas a Huawei, com 16% da quota de mercado mundial, está quatro pontos percentuais acima da Apple.
Passa provavelmente por esse poderio, que os EUA tentam abater, a atual perseguição judicial a Meng. Formalmente, o argumento para o mandado internacional de detenção é o de violação do embargo imposto pelos EUA a negócios com o Irão. Mas o que há muito inquieta os EUA e outros dos mais poderosos países ocidentais é a suspeita de que a Huawei é um cavalo de Tróia da espionagem chinesa, tanto industrial como militar. A convicção é a de que as infraestruturas telefónicas da Huawei estão equipadas para, depois de instaladas em países ocidentais, penetrarem em objetivos estratégicos ocidentais, e assim alimentarem a ciberespionagem chinesa. Uma devassa que, suspeitam, será ainda mais poderosa com o desenvolvimento liderado pela Huawei da tecnologia 5G.
A dinastia Huawei, é o exemplo máximo da articulação que detestam entre o novo empresariado e a liderança comunista. Ren Zhengfei, pai da agora detida Meng, antes de fundar a Huawei, ganhou influência no corpo de elite de engenharia do Exército Popular da China. Tornou-se muito mais do que um membro do PC chinês, em cujos congressos participa: faz parte do círculo de próximos do todo poderoso presidente Xi Jinping. O que reforça as suspeitas americanas de que pode pôr a tecnologia sofisticada da Huawei ao serviço do regime.
É assim que a Huawei se tornou um alvo para muito do sistema de inteligência militar e industrial dos EUA, logo no tempo de Obama, muito mais agora com Trump.
O destino de Meng, a princesa da Huawei, pode desencadear muita tempestade nas relações internacionais, tanto as político-diplomáticas, como as económicas. O armistício acordado em Buenos Aires por Trump e Xi pode estar à beira d ir pelos ares.
A ter em conta:
Macron falou, fez a contrição, fez o anúncio de concessões, prometeu mudar. Uma primeira sondagem mostra que convenceu muita gente. Mas pode não chegar para que os “gilets jaunes” recolham o colete. Questão suplementar: com o disparo da despesa pública, para onde vai o défice francês que já roçava os 3%?
Theresa May falou, consegui manter a sobrevivência política, mas continua dentro de um labirinto em caos. Juncker admite aclaração do acordado mas nada de renegociação . A imprensa britânica mostra-se implacável com a combativa ainda chefe do governo.
O interminável tempo de inferno para os venezuelanos.
O choque de agendas em volta do combate às alterações climáticas.
O piano de Gaza: a música que salva
Comentários