Pensei muito no que havia de escrever. Pensei e pensei. Escrevi e apaguei, apaguei mais um pouco e escrevi de novo.
Pensei escrever sobre o erro que cometi. Pedi desculpa nas minhas redes sociais e reconheço também aqui a dissonância cognitiva que me levou a acreditar que um mês depois da passagem de ano já podia criticar tais comportamentos nos outros “porque era diferente”. Não era e não podia. Estava num telhado de vidro e resolvi mandar um calhau gigante para os pés. Muito inteligente da minha parte, de facto.
Pensei também em escrever sobre desilusão, hipocrisia e credibilidade, mas por esta altura já toda a gente tirou a sua própria conclusão – cada cabeça sua sentença – e não me cabe a mim debruçar-me sobre isso e buscar justificações ou tentar dar mais explicações.
Depois pensei em escrever mais aprofundadamente sobre as motivações por trás deste motim na internet. Mas acho que ficou claro para todos que, para além da genuína preocupação de algumas pessoas com a saúde pública, isto foi também um ataque político ao meu carácter e àquilo que tenho defendido tão vincadamente nos últimos anos, quer como comediante, quer como cidadão. Sei quem iniciou isto e porquê, sei os órgãos de comunicação que incendiaram a situação, sei os políticos e seus apoiantes que, com um lindíssimo descaramento, se aproveitaram o mais que puderam disto. Não importa minimamente referi-los, só saber que sei e não perder mais tempo com isso.
Um ponto sobre o qual podemos e devemos todos reflectir é o nível de ódio e violência online. Não falo de críticas e discussões acaloradas. Falo do ódio, dos insultos bárbaros, do incitamento real à violência. E não só neste caso, mas em tantos que temos visto.
Ao longo desta semana foram milhares, mas milhares mesmo, de comentários e mensagens que não eram de repúdio ou desilusão. Eram raiva e ódio a tudo o que sou, a tudo o que tenho feito, e até a amigos e família. Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, e-mail, em todo o lado. Eu garanto-vos que é muito pouco agradável a enxurrada de insultos e ameaças, incluindo coisas como “Tens sangue nas mãos, filho da puta” ou “Quando é que te suicidas? Estamos todos à espera”. Sei que é “a internet”, mas será que vale isto tudo? Duvido. O que é que levou a sociedade a achar isto aceitável? Até que ponto é que a saúde mental não se está a deteriorar globalmente, tanto de quem é o alvo como de quem é o atirador? A pandemia está a agravar tudo isto? Para onde é que caminhamos com este grau de violência? Parecem-me pontos que, não sobre o meu caso, mas genericamente, precisamos urgentemente de abordar.
Também pensei em escrever sobre amor e empatia, mas fá-lo-ei com a devida e merecida importância noutra ocasião, e não nesta crónica para que não pareça que ainda vim para aqui chorar. Deixo só a garantia de que nunca me vou esquecer de todo o apoio e amor que me chegaram. Todas as mensagens, telefonemas, comentários públicos (ou escolher não os fazer para não alimentar o circo), ou até o deixar almoço à minha porta.
E enquanto escrevia sobre o que tinha pensado escrever, acabei por escrever muito por alto sobre tudo isto, para chegar a um ponto relevante.
Nunca fui nenhum herói, nem de repente sou um vilão. Nada menoriza o que fiz, mas há demasiadas coisas muito maiores que isto por resolver. Há lutas infinitamente mais importantes a serem travadas, e é a estas que eu me quero voltar a juntar rapidamente, como comediante e cidadão, com a convicção de sempre. Por isso, até já.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Passagens de ano: não me convidem, sff.
- “O teu ponto fraco é as festas”: disse-me uma grande amiga (depois de me fazer rasgados elogios para me animar).
Comentários