Ainda faltam dez dias para entrar na Casa Branca mas o poder do presidente eleito Donald Trump não só já é perceptível como mostra que, conseguida a eleição, segue igual e não corrige um milímetro no estilo turbulento da campanha. Tem um mérito: a personagem “The Donald” é autêntica, politicamente caótica, na campanha como na presidência. Portanto, inquieta mesmo.
Uma primeira perturbação é a crise que abriu com as principais agências de informação e segurança do governo dos Estados Unidos no caso da espionagem cibernética. A CIA e o FBI concretizaram, preto no branco, em 50 páginas, uma acusação precisa e gravíssima: “Verificámos que o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou uma campanha para influenciar a eleição presidencial nos EUA”. Para a “intelligence” dos EUA não há dúvidas, está identificada a mão do Kremlin por trás dos hacker que violaram redes com ficheiros do sistema político americano, com óbvia intenção de manipular a opinião pública americana.
Trump, em vez de reagir com a prudência que se espera de um líder, optou por pôr em causa os serviços de informação e espionagem dos EUA ao trata-los com desdém, ou seja, poupou os russos e tirou o tapete às instituições que são pilares do Estado na proteção dos cidadãos nos Estados Unidos.
Antes, o presidente eleito que na campanha tinha prometido levantar um muro na fronteira com o México, tratou de impor desde já uma barreira virtual. Fê-lo com um simples tuíte, em que ameaçou impor taxas de 35% sobre importações de empresas dos EUA deslocalizadas. Foi o bastante para três gigantes da indústria americana do automóvel e do ar condicionado – General Motors, Ford e Carrier – abandonarem os grandes investimentos que tinham previsto em fábricas suas no México. É a via proteccionista, contraditória com o mundo globalizado que temos, de concretizar o discurso de “fazer a América grande outra vez “ e “a América para os americanos”. É um caminho de desastre para o México e que está para se ver se pode ser bom para os americanos.
Tudo isto faz lembrar o tempo de “Citizen Kane”, imortalizado no cinema por Orson Welles. A história do filme gira em torno de William Randolph Hearst, um magnate que, tal como Trump, tinha muitas torres em Nova Iorque e que também era dono de jornais. Era o tempo de crise a seguir à Grande Depressão de 1929 e que se prolongou até à II Grande Guerra. Então Hearst pôs os seus jornais a proclamar aos leitores um seu dever: “compre americano para que haja trabalho para os americanos”. Não serviu para nada, não houve prosperidade e o tenso ambiente internacional levou à terrível guerra mundial. Há que ver se a presidência que se instala 80 anos depois e que funciona a golpe de tuítes consegue não levar à desgraça.
Entre as práticas instaladas que encantam nos EUA está a plena liberdade para, com inteligência, criticar o poder. Como fez Meryl Streep nos Golden Globes, ao denunciar como Trump vilipendia, ou como fazem todas as noites com humor audaz Stephen Colbert e Jimmy Fallon, condutores dos espectáculos televisivos com boa conversa todas as noites.
Faz bem vê-los e ouvi-los. Também faz bem ler Zygmunt Bauman, o sábio que instalou na teoria política o conceito de “líquido”. A era moderna, “líquida”, deveria ser aquela em que os cidadãos poderiam ter a liberdade de tomar em mãos o seu destino. Não basta a iniciativa individual. Mas que não nos falte a inspiração.
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Visto de fora: Soares, “um dos grandes democratas europeus, deixa uma herança e um exemplo”, destaca Jean Daniel, no Nouvel Observateur; um “colosso da política”, escreve Inocencio arias no La Razon; o “grande estadista português e europeu”, assina Raul Morodo, no El País; John Hooper, no Guardian, anota como emerge "a estatura" de Mário Soares; "o homem que ancorou Portugal na Europa", reforça Andreu Claret, no El Periódico; "o líder tenaz que levou Portugal para a democracia", assenta Elias Lopez, no The New York Times; curiosa comparação entre Soares e Gonzalez, Portugal e Espanha, por Enric Juliana, no La Vanguardia. E há muito mais nos jornais pelo mundo, do Le Monde ao Estadão de S. Paulo.
No dia em que Obama diz o discurso de despedida da presidência, vale lembrar que "Yes, we can".
As plantas têm ouvidos? Escutam?
Três primeiras páginas: esta e esta. Também esta, que incita à esperança.
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