Um grande amigo, uma das melhores pessoas que conheço, tinha um restaurante em Lisboa e vendeu-o. Era o princípio do Verão e estava livre, sem compromissos. Com mais de 50 anos, podia – finalmente – gozar uns dias de praia, a monotonia de quem está a viver em pleno a silly season. Acontece que ao fim de poucos dias, mais de dez, menos de trinta, o meu amigo suspirou e disse: “Estou farto de não fazer nada”.

O desabafo deu origem a várias coisas, entre elas a constatação estranha de não sabermos desligar, de termos dificuldade em descansar. “Dá-te tempo”, aconselhei eu já em stress com não sei quantas coisas, a invejar o potencial fare niente do meu amigo. Rimos e aproveitámos o que nos reúne, mas concluímos que nenhuma das pessoas à mesa conta reformar-se, todas estão mentalizadas para trabalhar até “ter de ser”. Não se trata de não acreditar, como acontece a muitas pessoas, na impossibilidade de ter uma reforma do Estado. Trata-se de saber que a mesma terá condicionantes e pode não chegar para as necessidades. Os que estavam à mesa têm todos filhos, alguns netos. Não éramos um grupo de gente nova, já se vê, somos todos crescidinhos e temos a noção de que filhos ou netos ainda precisam de nós. Importa correr atrás da bola. O meu amigo podia continuar a gozar o seu momento de descanso, refazer a sua vida com calma, mas está ansioso por ter coisas para fazer, por ter um rendimento.

A jovem que nos servia um lanche primoroso composto por queijo e chouriço assado vai este ano para a faculdade. Tem dezoito anos. Em vez de aproveitar a praia e o último Verão antes dessa coisa estranha que é passar a ser universitária, decidiu que queria trabalhar e está a ajudar num restaurante. Num momento de pausa, confessou-me: “Gosto de trabalhar, mas não queria fazer disto vida, é muito duro. São muitas horas de pé e num restaurante atura-se o melhor e o pior”. É com orgulho que a vejo afastar-se com um tabuleiro em perfeito equilíbrio. Talvez o orgulho seja maior por entender que há uma satisfação tremenda em ter o nosso dinheiro, fruto do nosso trabalho, e que esta jovem está a ter essa experiência. Com a idade dela, eu já trabalhava e nunca deixei de o fazer. Pergunto-me se conseguiria estar parada.

Uma vez, há muito, muito tempo, fui a uma aula de yoga. Foi a primeira e a última. E porquê? Os últimos minutos eram de relaxamento, de alheamento de tudo, “deixar a mente ir”, dizia o professor. Eu tive o meu momento Julia Roberts e acabei por abrir os olhos (odeio que me mandem fechar os olhos!), observar aquele grupo de pessoas que, aparentemente, estavam mergulhadas numa certa paz, deu-me um frenesim, levantei-me e saí. Seria eu capaz de resolver as minhas questões profissionais e abandonar-me a uma certa letargia? Não creio.

O meu amigo riu-se e acrescentou: “O drama é que a nossa geração gosta de trabalhar, fomos educados para isso. Passámos necessidades. Conquistámos com muito esforço. As novas gerações...” Olhei para a jovem a servir um casal que acabara de lamentar a inexistência de pratos de caracóis, e tive a certeza de que as novas gerações são como a nossa. Mais coisa, menos coisa.