A extrema-direita de Marine Le Pen com Jordan Bardella está às portas do governo de França, mas é provável que não as consiga abrir. O pânico de “democracia sob ameaça” está a mobilizar uma ampla frente de resistência (esquerda, centro e até direita moderada) que, apesar de grandes divergências entre os parceiros, pode bastar para estancar a onda ultra das direitas.

A carga emotiva em França, suscitada por estas imprevistas eleições, está altíssima. A vaga a favor de Le Pen cresceu mais como expressão da fúria contra Macron do que em adesão ao programa ultra. A rejeição de Macron está tão forte em França que leva a que gente que antes pretendia o isolamento da extrema-direita agora aceite experimentar o programa radical de Le Pen.

A rejeição de quem exerce a presidência está a ser uma constante em França. Sarkozy, em 2012, não conseguiu a reeleição, perdeu para Hollande. Em 2017, a fúria contra a presidência Hollande era tão forte que o socialista nem se recandidatou. Apareceu Macron vindo, aparentemente, de fora dos bastidores políticos. Triunfou em 2017, com  66% dos votos, com 34% para Le Pen. Em 2022, valeu a Macron o “sobressalto republicano”: teve apenas 27% dos votos na primeira volta, quatro pontos percentuais de avanço sobre Le Pen. Mas muita esquerda mobilizou-se para barrar Le Pen e Macron, em apenas duas semanas, disparou de 9 milhões para 19 milhões de votos. Foi a réplica do que tinha acontecido em 2002, quando em duas semanas Chirac passou de 5 milhões para 25 milhões de votos, com todas as esquerdas a votarem no candidato da direita clássica para assim derrotarem a extrema-direita, então com Le Pen mas o pai, Jean Marie.

Nota-se também agora um levantamento anti-extrema-direita, embora não tão abrangente porque para muitos eleitores a marca Le Pen deixou de meter medo. Marine Le Pen soube desenvolver a estratégia política envolvente que esbateu velhos receios. Há muita gente que como o cineasta de culto Mathieu Kassowitz admite que “é de experimentar como serão eles no governo da França”.

Talvez não seja ainda este ano. A França está em território desconhecido, com o centro moderado muito minguado, entalado entre duas frentes amplas, uma puxada para a esquerda e outra para a direita. É um cenário nunca antes visto com os velhos grandes partidos da alternância reduzidos a partidos secundários, com os republicanos a valerem escassos 7% e os socialistas, que nos anos 80, com Mitterrand, ultrapassaram os 50%, agora reduzidos a uns 10%.

Comum agora a quase todos os franceses, a rejeição de Macron, que aparece como um elitista, deslumbrado com a pose, indiferente à realidade da vida das pessoas. A hostilidade a Macron é um dos maiores consensos na França atual. Marine Le Pen até já sugeriu que Macron pode ficar sem condições para continuar na presidência. Mas não é crível que ele pondere retirar-se antes do final do mandato, em 2027. Pelo contrário: Macron tem perfil de sobrevivente político e vai fazer tudo para ressurgir.

Até pode acontecer que nestas elas eleições, apesar da grande rejeição de Macron, o presidente recupere desempenho determinante, porque caso a frente de resistência consiga impor-se a Le Pen/Bardella, os votos macronistas serão decisivos para a formação de maioria para governar a França.

Se essa frente anti Le Pen/Bardella conseguir maioria no parlamento, surge a seguir um quebra-cabeças: é que não há unidade possível entre as esquerdas para definição de um programa comum de governo.

Mélenchon, como líder da França Insubmissa (LFI), maior partido das esquerdas, já está a reivindicar a chefia do próximo governo. Mas esta é uma hipótese impensável para a esquerda moderada, incluindo a do Partido Socialista. Já se ouviu François Hollande que, depois de ter sido presidente, “face à emergência atual”, decidiu candidatar-se a deputado, agora, no fim de semana, recomendou a Mélenchon que se mantenha calado e discreto para não dificultar o essencial das aspirações da Nova Frente Popular (NFP), a aliança de emergência das várias esquerdas.

Governar França vai ser uma tarefa crítica. Há enorme pressão de todo o eleitorado para tomada de medidas que melhorem o nível de vida. É essa reivindicação o que explica a alta impopularidade de sucessivos presidentes – Sarkozy, Hollande, Macron – num país onde o presidente tem poder a dirigir a governação, mas o nível de vida baixa de modo contínuo. A fúria é maior entre as classes mais baixas e os reformados.

Os dois blocos à esquerda e à direita assentam a atual campanha em promessas que os economistas clamam ser insustentáveis. Até os macronistas, no vendaval da campanha, estão a prometer dinheiro para todos.

A França está confrontada com o desconhecido. Ninguém pode ter certeza sobre quem vai ganhar na dupla votação em 30 de junho e 7 de julho. Também é inimaginável como será a governação da França depois das eleições.