Importa pouco a minha fé, a forma como a vivo, se é que a vivo. Não sou crítica do Papa só porque sim. Outras pessoas serão. Sou crítica da instituição e o Papa é o expoente da instituição. Ao longo da minha vida, assisti a diversos papados e em todos eles pensei: estão aquém do que precisamos.
Depois surgiu este Papa, Francisco, com humor, com um discurso aberto sobre as justiças e as injustiças, sobre os abusos, o valor da História, a urgência de ouvir os mais jovens, a actualização da instituição, a importância das mulheres dentro e fora da Igreja e comove-me. Talvez esteja velha, terão de me perdoar a lamechice, mas a comoção deve-se a este entendimento de que um caminho se faz caminhando, mas mais vale tarde do que nunca.
Há quem prefira uma Igreja formal, assente no discurso hermético da teologia; o anterior Papa estava nesta linha, uma Igreja que mantém o espanto do mistério que, por isso, exerce fascínio, e ainda a ideia de superioridade, de poder. Acredito que nos serve de pouco a teimosia dos preceitos e o exercício de erudição, se não formos verdadeiramente humanistas e próximos das pessoas.
Francisco fala a língua de todos nós, é descontraído; aplica um vocabulário que por vezes surpreende. Na entrevista a Maria João Avillez, na CNN Portugal, transmitida na passada segunda-feira, a certa altura diz: “(...) que haja mulheres na Cúria é um processo cultural, um processo de justiça; mas se a senhora há 100 anos dissesse uma coisa destas… Há 100 anos teriam dito ‘esta mulher está maluca’”. Não imagino outro Papa a escolher o substantivo “maluca” e dei por mim a sorrir.
Acredito nos princípios e valores cristãos; encaro com alguma dificuldade o percurso da Igreja Católica, como encaro o de outras religiões, mas soube-me bem ouvir o Papa restituir o lugar de importância às mulheres. Entre outras coisas, disse ele: “(...) a entrada das mulheres não é uma moda feminista, é um ato de justiça que culturalmente tinha sido posto de lado. 'Queres fazer algo pela Igreja? Torna-te freira.' Não. Pode ser leiga, uma leiga que esteja a trabalhar, e cá, no Vaticano, estão só homens? Não. Aqui, todos os batizados têm lugar”.
A entrevista pode ser lida no site da CNN; pode ser vista online e vale a pena fazê-lo, porque nos pode conferir alguma esperança, sem desculpar tanta enormidade, como os abusos, sobre os quais Francisco fala, declarando que existirá “tolerância zero”. A Igreja é feita pelos homens, os homens falham e desiludem e, muitas vezes – e felizmente – surpreendem-nos. Francisco assim o fez.
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