Adamowicz era um liberal no sentido maior do conceito, foi eleito em 1998 para o cargo de presidente da câmara de Gdansk e desde então sempre reeleito. Gdansk é a Danzig por onde em 1939 avançou a ofensiva nazi que desencadearia a Segunda Grande Guerra. Gdansk também é a cidade de um dos maiores estaleiros navais da Europa onde, nos anos 80 do século XX, cresceu o sindicato Solidarnosc (Solidariedade), encabeçado pelo corajoso Lech Walesa, conduziu a luta pacífica que, pacientemente, ao cabo de uma década de mobilizações que galvanizaram tanta gente pela Europa, levaram à queda do Muro de Berlim, ao estilhaçar do império soviético e ao fim do Pacto de Varsóvia.

Gdansk e Walesa são parte relevante no fecho da história do século XX. Adamowicz, 22 anos mais novo do que Walesa, era líder do movimento estudantil de Gdansk quando, em 1990, a revolução se consumou e Jaruselki, o general às ordens do poder soviético, foi obrigado a entregar a presidência ao sindicalista dos estaleiros navais de Gdansk. Entretanto Nobel da Paz, Walesa já tinha reparado no ímpeto empreendedor e lutador pela liberdade de Pawel Adamowicz. Tornaram-se muito próximos, amigos e companheiros de combate.

Walesa foi impulsionador da candidatura de Adamowicz à câmara de Gdansk. Foi uma escolha certeira. Adamowicz soube conduzir, em diálogo constante com os cidadãos a difícil transição da economia de Estado subvencionada para uma moderna economia de mercado. Jurista por formação mas com grande prática como gestor, Adamowicz, através de eficazes políticas de desenvolvimento fez do porto de Gdansk um dos com maior crescimento na Europa, impulsionou, ao mesmo tempo que impulsionou a multiplicação de iniciativas culturais com grande envolvimento da população jovem. A cidade tornou-se um inovador laboratório de participação cívica.

A ideia de Gdansk como “cidade de acolhimento, sem fronteiras e janela para o mundo” teve expressão prática:  logo no começo da crise dos refugiados, em 2015, Adamowicz chegou-se à frente a dizer que Gdansk estava pronta para receber quem procura refúgio, o que lhe valeu muito áspera hostilidade do governo soberanista em Varsóvia. Adamowicz respondeu sempre com tranquilidade ás sucessivas calúnias que o PiS, o partido da Lei e da Justiça, maioritário na Polónia usou para o desgastar. Também enfrentou difamações por promover a distribuição nas escolas de um livrinho sobre educação sexual e por promover debates sobre a liberdade de imprensa.

Adamowicz morreu na passada segunda-feira, no dia seguinte a ter sido esfaqueado no peito quando estava no palco de um evento de recolha de fundos para uma causa social, com centenas de pessoas a assistir. O agressor tem história de perturbações mentais com episódios de violência. Por mais que se tente evitar as motivações políticas, há uma constatação que está assumida: o clima de ódio instalado na discussão política na Polónia é favorável para que se precipite a ação louca de um desarranjado mental.

O trauma pela morte de um homem que era uma referência que dava esperança e que prometia um futuro melhor e mais justo é tremendo. Ele era um símbolo da Polónia que não se rende perante as novas forças autoritárias e antieuropeias. Adamowicz fazia parte do grupo de estrategas que fizeram a Polónia passar da pobreza difusa da vida no século XX para a expansão que faz do país uma potência económica europeia.

O choque pela perda trágica de Pawel Adamowicz é comparável com o efeito causado pelo desastre de Smolensk, em 2010, quando 96 personalidades de topo da Polónia perderam na vida na estranha queda de um avião em território da vizinha Rússia. Entre as vítimas, o então presidente polaco, Lech Kaczynski, irmão gémeo de Jaroslaw, líder do partido ultranacionalista PiS, agora no poder no governo de Varsóvia.

Os acontecimentos de Smolensk continuam como ferida aberta na Polónia, muitas vezes invocada por gente do PiS, fomentando a tese de conspiração russa para provocar o desastre. É uma versão que contribui para avivar ódios.

Agora, a morte de Adamowicz está a levar muitos polacos a apontar o dedo acusador aos dirigentes nacionalistas pelo discurso de ódio e pela propaganda que convida à intolerância e xenofobia.

A normalidade democrática poderá voltar à vida polaca após tudo isto? Tudo depende da dose de contenção que conseguirem tanto as forças liberais quanto os apoiantes do governo soberanista, há muito em choque.

O que aconteceu há uma semana em Gdansk não é uma questão apenas polaca. É um alerta à Europa para os riscos da atmosfera hostil de intolerância que está a ser constantemente instalada e que pode empurrar um qualquer perturbado psiquiátrico para abrir a tragédia.

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