A nova campanha da Gillette “We Believe: The Best Men Can Be” gerou controvérsia. O vídeo em questão aborda um conjunto de atitudes e comportamentos identificados como tóxicos, e começa por referir o movimento #MeToo juntamente com o rasgar, literal, do antigo slogan da marca “the best a man can get”, cunhado há 30 anos. Enquanto escrevo este texto, o vídeo tem 221 mil likes (gosto) e 591 mil dislikes (não gosto). Podemos dizer que há muita gente que não gostou da nova mensagem e fala-se até de um boicote à marca.
Antes de mais, quero deixar algo bem claro: não há nada de errado com a masculinidade. Nada. Este vídeo, da forma como o interpreto (e penso que a mensagem seja evidente) não é um ataque aos homens, nem almeja a destruição dos mesmos da face do planeta. A nova campanha da Gillette é um convite à reflexão sobre um conjunto de comportamentos e atitudes que são tóxicas e que limitam a educação e desenvolvimento dos rapazes. São valores que prejudicam os rapazes e raparigas, homens e mulheres. E se prejudicam, por que razão há tanta reação contestatória? Porque falamos de atitudes que são socialmente aceites, que são reproduzidas de forma inconsciente e que foram sendo naturalizadas ao longo dos tempos.
A verdade é que este vídeo foca algo que não é novidade. Os rapazes continuam a ser educados com base na valorização de atos violentos, reforçando o uso da força nas suas relações, comportamentos de bullying, exclusão dos colegas que são diferentes ou que não são aceites dentro deste paradigma, e também na objetificação das mulheres e hipersexualização das mesmas. É isto que o vídeo aborda. Questiono-me se o que incomoda é o conteúdo do vídeo, ou se é o facto de ser uma marca conhecida a fazê-lo.
Estes comportamentos que referi anteriormente fazem parte da realidade dos homens, em especial dos homens que foram vítimas de violência sexual. Uma das razões pelos quais estes homens permanecem em silêncio vários anos e não procuram apoio deve-se à forma como são vistas e valorizadas as ideias tóxicas relacionadas com a masculinidade.
As ideias erradas de que um homem não pode chorar, que é fraco se foi vítima, que não é tão homem se não soube defender-se e não é de todo homem se não sabe resolver os seus problemas sozinho, continuam enraizadas na sociedade e são obstáculos à procura de apoio. Os sobreviventes de violência sexual que procuram os serviços da Quebrar o Silêncio referem isto e a literatura também: a visão tradicional da masculinidade não está a funcionar.
Concorde ou não que esta tenha sido um campanha de marketing para “viralizar” e tornar a Gillette pertinente ou mais visível, a verdade é que esta semana estamos a discutir o que são as masculinidades e os comportamentos tóxicos. Aproveito a frase final do vídeo “Porque os rapazes que vemos hoje serão os homens de amanhã” para questionar: não será este o terreno em comum, a ponte que nos une? É com esta frase que podemos partir para uma reflexão e construção saudável e produtiva. Enquanto educadores das gerações mais novas, quais são os valores que queremos valorizar?
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