Há uma evidência em Espanha: a questão territorial não vai sair da agenda enquanto não for tratada, com os diferentes nacionalismos a reclamarem os seus direitos – acima de todos, o catalão e o basco, a par do patrioteirismo espanhol simbolizado por Castela. São milhões de pessoas que ambicionam vias diferentes. Até aqui, os governos de Madrid recusavam sequer admitir a existência do problema, apesar de este explodir com grande intensidade nas ruas. O pacto para o novo governo, ao reconhecer que “existe um conflito de natureza política relacionado com o futuro da Catalunha”, enfrenta a questão crítica. É um bom começo. Está para se ver se este governo vai ter forças para avançar no audaz caminho político anunciado e resistir ao vendaval que já está a levantar-se.
A vida do novo e inédito governo das esquerdas em Espanha que nesta terça-feira feira vai ser investido em funções pelo parlamento em Madrid vai ser de tormenta constante sobre um campo minado. As direitas, em conluio com muito da Justiça espanhola, vão usar todos os mais aguerridos meios que a imaginação e o ardor guerreiro lhes conceder para atacar o governo, que chamam de Frankenstein, formado pelos socialistas do PSOE com a esquerda mais à esquerda do Unidas Podemos. Tudo farão, em modo feroz, teatralizado, no parlamento, nas ruas, nas tertúlias das rádios e televisões, nas redes sociais e nos tribunais, para pintar uma paisagem tenebrosa e procurar sabotar o governo das esquerdas que põe sobre a mesa a discussão da crítica questão territorial – que existe, mas que o patrioteirismo espanhol recusa admitir.
O pacto político das esquerdas, que abre a discussão dos nacionalismos, portanto da pluralidade de Espanha, deve ser discutido, pode ser criticado, mas inscreve-se em absoluto na legalidade. As direitas em Espanha vão clamar, com todos os recursos, que o governo prestes a ser investido é ilegítimo e representa traição à pátria. Mas é um governo que tem a legitimidade resultante da geometria parlamentar saída das eleições de 10 de novembro.
A ampla frente espanholista, que usa o escudo de constitucionalista, não aceita ver a Espanha como realidade plural – por exemplo, uma federação de estados -, e considera crime tudo o que não seja um reino uniforme e coeso – que, de facto, não é. É uma frente que não aceita dissidências, por isso mesmo, quando estas se levantam, remete-as para a justiça, furtando-se a tratá-las no terreno da política, que é o lugar devido, ou então a política seria desnecessária porque os juízes decidiriam tudo.
O governo das esquerdas em Espanha pode ter muitos erros no cardápio, não sei se tem, falta ouvir o que tem para propor e a discussão do programa no parlamento, mas tem desde já um mérito: abre a discussão política para resolver o sério conflito catalão.
Lastimavelmente, há quem, apesar de se dizer democrata, nem sequer aceita o diálogo com quem pensa de modo diferente. Mais: vê o simples facto de haver diálogo como uma fraqueza. Ou seja: dizem-se democratas mas não aceitam a negociação com o discrepante, só se fala com quem pensa igual. Essa gente é a que grita a reclamar estado de exceção na Catalunha, apesar de ser evidente que isso só vai revoltar ainda mais à volta de metade da Catalunha.
Para o fanatismo espanholista – fanatismo porque é incapaz de ver a realidade – o facto de haver uma “mesa de diálogo” entre o governo de Espanha e o governo da “Generalitat de Catalunya” é uma infâmia. Também há em Portugal gente que, apesar de bem informada, segue esse pensamento ideológico.
Porém, essa “mesa de diálogo” talvez seja, desde já, o grande avanço que o governo das esquerdas em Espanha oferece: é recolocar na política o que disparatadamente foi desviado para os tribunais.
A TER EM CONTA:
Trump mandou assassinar o estratego militar de Teerão, provavelmente convencido de que assim iria intimidar o Irão e favorecer a reeleição nos EUA. Obviamente, alguém terá explicado a Trump que o Irão terá de reagir – não o fazer equivaleria a declarar-se vencido. Trump sabe, portanto, que estão pela frente episódios de guerra. O presidente dos EUA julgará que resolve essa guerra com drones e sem meter soldados americanos no chão em combate. Se houver soldados americanos a regressar à pátria em caixões, o que até agora aparece como um êxito militar de Trump torna-se um pesadelo político com imprevisíveis consequências. Será que ainda há oportunidade para apaziguamento diplomático?
As manobras do “chavismo” agravam ainda mais o bloqueio da Venezuela.
“1917” é agora o favorito para os Óscares de Hollywood? Este drama bélico de Sam Mendes é, a par de Tarantino, o triunfo que marca os Globos de Ouro de 2020, em que a Netflix e “O Irlandês” de Scorsese saem derrotados. O que vem a seguir?
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