Viktor Orbán não é apenas o “enfant terrible” da política da União Europeia (UE); tornou-se num símbolo internacional do conjunto de ideias que ele próprio baptizou como “democracia iliberal”. É difícil definir com precisão, esta contradição semântica. Na prática, o que tem sido, desde que o partido de Orbán, o Fidesz, chegou ao poder em 2003, é um “executivo” musculado, que passa por cima do “judicial” e segura o “legislativo” pela trela, ao mesmo tempo que amordaça a comunicação social e compra favores à vista de toda a gente.

Orbán, idolatrado no estrangeiro por todos os movimentos e pessoas que gostam mais de “valores tradicionais” do que de modernices sociais, tem mantido a cúpula da União Europeia sob tensão permanente, ao pisar várias linhas vermelhas daquilo que é o conceito geral de democracia parlamentar e de liberdade de expressão. Além de não respeitar os princípios políticos comuns, ainda o declara abertamente – daí a idolatria dos conservadores, autocráticos e reacionários como a francesa Marine Le Pen, o americano Steve Bannon, o italiano Matteo Salvini e o inglês Nigel Farage, unidos contra o perigo da dissolução da frágil identidade europeia, ainda adolescente, ameaçada pela imigração maciça dos “bárbaros” muçulmanos. A Hungria de Orbán tem sido (juntamente com a Polónia) o país mais declaradamente anti-imigrantes, sejam refugiados políticos ou económicos. 

Até à invasão da Ucrânia, Orbán também oferecia um apoio descarado e escandaloso a Putin; tal como Trump, valorizava a mão pesada do ditador de Moscovo. Só agora, que Putin se excedeu, é que deixou de o elogiar, passando a aceitar refugiados – idealmente caucasianos e cristãos, claro.

Na Hungria, Orbán não é tão admirado assim. Os inúmeros partidos do espectro político nacional queixam-se, e com razão, da tomada do poder pelo Fidesz, o qual recorre ao chicote e à cenoura, conforme lhe dá jeito. Persegue os desafectados e favorece os vassalos com toda a desfaçatez. O país tem observado as suas instituições democráticas definharem e serem sistematicamente silenciadas.

Perante a improbabilidade de qualquer um desses partidos concorrentes derrotar o Fidesz, em eleições cada vez mais suspeitas – apesar de oficialmente livres, mas na prática restringidas de várias maneiras –, resolveram finalmente juntarem-se todos, assim ao género da nossa Oposição Democrática nos tempos de Estado Novo. É uma combinação contranatura, que inclui os socialistas liberais da Coligação Democrática, os conservadores do Jobbik, os verdes do LMP e do Dialogue, os socialistas europeístas do MSZP e os centristas do Momentum. Depois de conversações complicadas, conseguiram uma plataforma comum de entendimento, talvez inoperante, e um candidato único a primeiro-ministro, o independente Péter Márki-Zay.

Os 199 deputados do parlamento são escolhidos por dois métodos: 106 pelo sistema uninominal (como no Reino Unido) e 96 pelo sistema proporcional de Hondt (como em Portugal). O mínimo para um partido eleger deputados é obter 5% do total nacional, 10% para coligações de dois partidos e 15% para coligações de três. Além deste emaranhado difícil de esmiuçar, há ainda que contar com as quotas atribuídas às várias minorias étnicas de origem arménia, croata, alemã, grega, polaca, “romani,” romena, cárpata, sérvia, eslovaca, eslovena e ucraniana.

Actualmente, isto é, até estas eleições de domingo, dia 3 de Abril, existem seis partidos e coligações representados no parlamento, sendo que o Fidesz nem sequer tem maioria absoluta: 49,27% dos votos. Contudo, com os métodos de Orbán, consegue sempre que um dos partidos minoritários lhe injecte a maioria necessária para proezas como nomear os seus conselheiros do Supremo Tribunal ou impor uma censura velada à comunicação social.

É esta situação que a nova plataforma “Unidos pela Hungria” (que, na verdade, deveria antes chamar-se “Unidos contra Orbán”) almeja derrubar. 

Claro que uma coisa é derrubar o Governo e, outra coisa, é governar. Orbán com certeza que recorrerá a todos os artifícios nas franjas da legalidade para vencer. Aliás, a própria noção de legalidade já foi alterada substancialmente nestes 19 anos de governação.

As instituições europeias não deixarão de escrutinar à lupa as movimentações eleitorais, mas há muitas manobras malabaristas, difíceis de fiscalizar. 

Os analistas não conseguem decidir se a situação na Ucrânia favorece ou enfraquece o homem forte da Hungria. Por um lado, o “perigo russo”, chamemos-lhe assim, dá uma urgência trágica para democratizar o país mais próximo da Europa que Putin tanto detesta; por outro lado, o próprio Putin é um modelo muito apreciado de autoritarismo. Na informal associação de autocratas deste mundo, que ultrapassa os conceitos tradicionais de esquerda e direita, a queda de Orbán seria um duro golpe psicológico. Teria certamente efeitos mais directos na vizinha Polónia, também ela nas mãos de um partido cristão/conservador/de mão pesada, o “Lei e Justiça”, desde 2015, liderado por um dos famigerados irmãos Kaczyński (o outro morreu num desastre de aviação em 2010). O Presidente, Andrzej Duda, que também é do partido, foi reeleito em 2020 por uma margem mínima.

Num momento em que toda a arquitectura de poder na Europa Central (antigamente, chamada de Leste) está em jogo, o resultado da eleição húngara é uma carta imprevisível – o joker, talvez. 

Resta saber se a coligação contranatura saberá governar, como aconteceu em Israel, ou se se deixará arrastar pelas suas contradições internas. 

Prognósticos, só depois das eleições.