Recentemente, o padre Manuel Barbosa, secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) referiu que "os casos presumíveis ou já decididos pela justiça, já com sentença penal, são mesmo reduzidos", salientado ainda que "os casos tratados nos tribunais eclesiásticos onde chegam as denúncias são pouquíssimos”.
Não é novidade que a igreja católica tem um problema de crimes sexuais de menores em mãos e que não tem tomado uma posição clara na proteção, justiça e respeito para com as vítimas. Durante o ano de 2018, foram várias as notícias que expuseram casos de abusos sexuais por padres, como foi o caso na Alemanha, Austrália e Chile.
Um relatório encomendado pela Conferência Episcopal Alemã aponta para a existência de 3677 casos de abusos sexuais cometidos por 1670 elementos da Igreja Católica em quase 70 anos. No caso australiano, o inquérito realizado pela Comissão Real a pedido do Governo concluiu que dezenas de milhares de crianças foram vítimas de violência sexual em instituições maioritariamente católicas, entre 1950 e 2010. Neste último caso, os sacerdotes australianos recusam-se a quebrar o segredo da confissão, protegendo deste modo os padres que cometeram os abusos sexuais. Esta é uma estratégia que, na minha opinião, permite compreender como esta instituição parece estar mais interessada na sua própria imagem e autopreservação do que no bem-estar das crianças, reforçando uma cultura que se fecha em si mesma para evitar escândalos, tal como Francis Sullivan, CEO da Truth, Justice and Healing Council refere num trabalho do The Guardian.
Os “pouquíssimos” casos da realidade portuguesa
Segundo o padre Manuel Barbosa, a realidade portuguesa é que os casos são “pouquíssimos”. Para quando um relatório como aconteceu na Austrália e Alemanha para compreendermos a verdadeira realidade? A verdade é que a estatística ajuda-nos a contextualizar este crime e ajuda-nos também a compreender que a violência sexual é uma endemia social e que está infiltrada na igreja. Mas a estatística não pode nunca ser usada e manipulada para desresponsabilizar os abusadores e uma organização que os protege.
Por trás de cada número está uma criança, esta é a realidade. E convém lembrar que 10 casos são 10 vítimas, 10 crianças. Não são números frios e abstratos que servem para minimizar e desvalorizar os casos reais. Estes 10 casos de abuso podem representar o Pedro, a Luísa, a Inês, o Mário, o Miguel, o João, a Andreia, o António, a Maria, o Tiago, que viram membros da igreja católica, figuras de referência, confiança e de respeito, usar o seu poder e influência para abusar sexualmente de si.
Na realidade, não interessa quantos casos aconteceram na igreja, um deveria ser suficiente para que esta organização se sentisse obrigada a tomar medidas reais de proteção para com as vítimas. Não basta ter o Papa a referir que se sente “envergonhado”, como aconteceu numa visita à Irlanda, ou o padre Manuel Barbosa referir "como o Papa diz, temos de ter tolerância zero neste drama e, nesse sentido, todo o processo que se deve ter em consideração passa pelas dioceses porque é aí que as pessoas vivem e, se houver denúncias, têm de ser reencaminhadas para quem de direito nas próprias dioceses".
Ninguém ou nenhuma organização pode estar acima da lei e do código penal, nomeadamente o Artigo 171.º “Abuso sexual de crianças”, e dos direitos humanos. Neste caso, temos de ser factuais: ou se respeita as vítimas, salvaguardando a sua proteção, direitos e bem-estar, ou se está a proteger os abusadores. E quem protege os abusadores, é cúmplice dos crimes cometidos.
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