Estávamos nós tranquilos neste belo rectângulo à beira-mar plantado, no conforto dos nossos índices de segurança, e, afinal, Portugal está cheio de terroristas. Primeiro, foram os membros da claque do Sporting que invadiram a academia e, agora, os terroristas do IRA (Intervenção e Resgate Animal) que resgatam animais fofinhos, com mocas e machados.
Tudo começou com uma reportagem da TVI que expõe essa organização, ligando-os a movimentos nazis, dizendo que usam a violência e armas de fogo para resgatar crias de gatos anões. Até aí, tudo bem, podem, efectivamente, ser um bando de criminosos que espancam velhinhas que se esqueceram de dar Whiskas saquetas a horas ao seu gato persa. Podem, realmente, ter ideologias de extrema-direita e marchar ao som de discursos do Hitler antes de montarem cavalos subnutridos e rumarem ao pôr-do-sol. Não digo que não, é esperar que a polícia investigue e os tribunais provem tais acusações. Agora, o que me meteu alguma impressão foi a clara forma tendenciosa como a reportagem foi feita, especialmente a parte em que pegam num vídeo do canal de YouTube do IRA e usam excertos para dar força à tese de terrorismo e associação criminosa. Usam partes do vídeo, retirados do contexto, que começam e acabam exactamente no sítio onde impede que as pessoas que estão a ver pela primeira vez percebam que se trata, claramente, de uma paródia e sátira; paródia essa que brinca exactamente com esses estereótipos que lhes colocam. Qualquer pessoa com dois dedos de testa perceba que tudo no vídeo é exagero e humor (ou tentativa de o ser). Portanto, temos aqui quatro hipóteses:
1. Os autores da reportagem são burros que nem calhaus e não sabem distinguir paródia, ironia e realidade;
2. Os autores da reportagem são incompetentes e fizeram tudo em cima do joelho sem perceberem bem o que estavam a ver e sem verificar os factos e investigar um bocado;
3. Os autores da reportagem estão apenas interessados nas audiências e decidiram pintar a reportagem da forma mais sensacionalista possível para ter mais visualizações, tipo YouTubers que não se preocupam com o conteúdo que fazem;
4. Os autores da reportagem são mal-intencionados e têm uma agenda política. Há quem especule que foi tudo encomendado pelo lóbi tauromáquico como forma de atacar o PAN como retaliação à questão do IVA das touradas.
Se eu tivesse de arriscar, diria 3 ou 4. Atenção que nada impede que os jornalistas tenham razão em todas as acusações que fazem ao IRA, mas, para mim, quando usam vídeos satíricos fora do contexto, com uma música tenebrosa por trás, só para dar carga emocional, fico com a pulga atrás da orelha e não confio no resto dos argumentos. Por exemplo, acho estranho o facto de acusarem o IRA de ser de extrema-direita, mas de estar feito com o PAN, cujos ideais resvalam muito mais para a extrema-esquerda. Será que descobrimos a cura para o ódio? Que é possível unir os extremos em torno da causa animal? Basta o Bolsonaro aparecer com um gatinho bebé ao colo para o pessoal do Bloco de Esquerda gostar dele? Basta o Maduro aparecer a dar festinhas a um caniche para o pessoal do CDS ganhar simpatia por ele?
Goste-se ou não do propósito do IRA, a verdade é que organizações estas só existem porque as entidades competentes não actuam quando devem. Segundo li, não aceitam donativos em dinheiro, por isso duvido que não preferissem que os animais estivessem todos seguros e eles não fossem precisos para nada. Devo admitir que tenho alguma empatia pelo que representam: uma espécie de justiceiros que agem para ajudar quem não se pode defender. Claro que preferia que tudo fosse feito dentro da lei porque há sempre o risco de um grupo organizado, por melhores intenções que tenha, comece a agir em interesse próprio ou sem olhar a meios para atingir os fins. A verdade é que se me perguntarem se uma pessoa que tem um cão maltratado e o usa para lutas merece um sopapo no focinho, a minha resposta vai ser “sim, merece”. Deve fazer-se justiça pelas próprias mãos? Não. Mas há gente que merece que lhe acertem o passo quando as autoridades fecham os olhos? Há.
Quanto às suspeitas que se levantaram – que levaram jornalistas a contactarem-me – lamento desiludir muita gente, mas não, não faço nem nunca fiz parte do IRA e nunca andei a resgatar animais com fisgas e facas de barrar manteiga. Basta verem que ando com bastante trabalho, seja de escrita ou de espectáculos de stand-up comedy, para perceberem que nunca teria tempo para andar a resgatar póneis de madrugada. Com muita pena minha, o único animal que resgatei foi a minha cadela do Canil Municipal de Sintra e, infelizmente, não me cruzei com o seu antigo dono que a deixou presa a uma árvore no meio do mato para morrer à fome. Se me tivesse cruzado, talvez tivesse ficado irado.
No meio disto tudo, há coisas que me preocupam mais do que um possível grupo de terroristas de extrema direita que anda a intimidar quem inflige maus tratos a animais. O que realmente me preocupa é se reportagens como as da TVI foram encomendadas por lóbis externos. Preocupa-me que um dos principais pilares da democracia – que é o jornalismo – possa ser facilmente subjugado por interesses políticos. Dizem que os meios de comunicação em massa são o Quarto Poder e, parece, que como em todos os outros casos, o poder corrompe. Sabem como é que o fascismo começa? Não é com meia dúzia de gajos, de extrema-direita ou de extrema-esquerda, que resgatam animais à força. É com a manipulação dos media.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Para ver: Vídeo completo do IRA
Para ver: Reportagem da TVI para comparar com o vídeo de cima
Para ler: Qualquer coisa
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