Marcelo, escudado pela ajudante de campo, impecável, com as botas engraxadas e sentido de Estado, foi fazer o que eu fiz ontem de manhã. Foi ao multibanco pagar contas. Suspeito que demorou um pouco mais porque talvez lhe façam faltas uns óculos. O que pagou ou transferiu não se sabe, embora, à portuguesa, já existam várias tiradas anedóticas sobre o assunto. O país em sobressalto, mas convém ir pagar as contas? Bom, podia ser uma coisa das Finanças e sabemos como são implacáveis, não é verdade? 

O código é secreto, portanto se estava em cima do prazo, é natural que tenha ido ao multibanco precisamente no momento em que as televisões em peso esperavam para eternizar a entrada do ainda Primeiro-Ministro e do Presidente da Assembleia da República. Sabia-se que iam a Belém, portanto estava ali à espera. Eis senão quando o Presidente decide sair e, grande momento jornalístico, as televisões e os respectivos jornalistas e operadores seguiram a primeira figura de Estado. 

Houve quem alvitrasse, na televisão, que talvez fosse jantar. Imaginei-o nos pastéis de Belém, sinceramente, não pensei possível que fosse ao multibanco. O que vale isto? Nada. É mais um episódio da politiquice, um fait-diver do presidente que se refere a si próprio muitas vezes na terceira pessoa. Enfim, o protagonismo de Marcelo é como o do actor naquele filme intitulado Emplastro. Muito longe da serenidade e low profile de outros presidentes, porque este, já se sabe, tem afectos. E é, na verdade, um presidente construído e eleito a partir de muitos anos de televisão, ou seja, Marcelo andou muito tempo a "virar frangos" e não gosta de ficar na segunda linha. Pois seja. Mas, na hora em que o país se preocupa com o futuro e com razões para roer as unhas, não me parece uma atitude condigna. Vislumbrei mais pose de Estado na ajudante de campo, confesso.

Entre comentários e estratégias de futuro, também tomei notas de três coisas pequeninas e, diria, no âmbito da politiquice à portuguesa: André Ventura estava satisfeitíssimo e até referiu a “bandeira do fascismo”; ninguém aplaudiu o chumbo do Orçamento de Estado (observação muito pertinente feita na TVI24 pela jornalista Anabela Neves) e, por fim, o discurso de António Costa que, se o forem ler, diz muito sobre o que pretende fazer.