O ego é uma coisa tremenda e pode ter efeitos nefastos. Carlos Moedas ganhou a presidência da Câmara Municipal de Lisboa numa altura em que o PSD perdia tudo excepto as presidenciais. Contra (quase) todas as expectativas e depois de 14 anos de domínio socialista.

Hoje, olho para a cidade e, invariavelmente, recordo a entrevista  que deu ao SAPO24, ainda enquanto candidato, dez dias antes de ser eleito presidente. Onde ficou aquela pessoa?

Lisboa já não "cheira aos cafés do Rossio", como cantava Amália Rodrigues, tresanda a chichi e a lixo. Em 2021, Moedas falou como se fosse resolver aquele que considerou um dos principais problemas: "Lisboa é uma cidade suja, que não é cuidada, e isso chama-me muito a atenção, não só a mim, mas também a muitas pessoas que eu cá trazia", disse. Passados mais de três anos, as coisas nesta matéria estão pior que nunca.

As incoerências não ficam por aqui. Por exemplo, quando confrontado com o facto de Fernando Medina, seu antecessor, ter gastado 196 milhões de euros em subvenções públicas em três anos, Moedas foi claro sobre qual seria a sua política de apoios: "Os políticos não tomam decisões sobre subsídios, são painéis técnicos e pessoas da área que o fazem".

Bom, não sei que "painéis técnicos" foram criados entretanto (nem tão pouco se existiam na altura de Medina), o que sei é que em apenas um ano, 2023, o executivo liderado por Moedas atribuiu mais de 110 milhões de euros, segundo dados da IGF - Autoridade de Auditoria. Ou seja, gastou num ano quase o mesmo que Medina em três, o que já era escandaloso.

Foram estas as palavras que usou: "O que se passa aqui, sobretudo na cultura, é que muitos dos subsídios são dados por amizade a um projecto, porque se gosta desta ou daquela pessoa, porque há uma opinião política. Penso que temos de ser muito claros, os subsídios da câmara não podem ser dados dessa maneira. Aí, trarei um pouco aquilo que é a escola europeia". Só que não.

E, a menos que a "escola europeia" tenha mudado muito, também não entendo que dos 1.367 contratos públicos assinados pela CML em 2023, num valor superior a 175,5 milhões de euros, a maioria (1.046, mais de 52 milhões de euros) tenha sido feita por ajuste directo - está tudo no Portal Base.

Mesmo tendo em conta a Jornada Mundial da Juventude e a necessidade de fazer em poucos meses aquilo que há anos se sabia ser necessário fazer. Os números contrastam com o total de contratos por consulta prévia (211, mais de 63 milhões) e concurso público (110, quase 60 milhões).

A ideia que tenho é que Carlos Moedas se deixou deslumbrar. E cedo perdeu a noção, quando depois de defender publicamente os concursos públicos, trocou o presidente da Gebalis (empresa que estava claramente mal gerida, tal como a EGEAC), por um amigo. Sem concurso.

O rol de exemplos é vasto, vai do ambiente à habitação, da gestão de empresas municipais aos contratos públicos, das residências universitárias aos ajustes directos. Moedas está a distanciar-se das promessas que fez e não é por falta de aviso. Mas prefere oferecer aos funcionários da câmara revistas de Natal com 252 páginas e 260 fotografias suas, inaugurar com pompa e circunstância um posto de uma dezena de bicicletas Gira numa faculdade com mais de 4.000 alunos (ISEG) ou receber para a fotografia um diploma por ter ido de casa para o trabalho de autocarro uma vez num ano de mandato (quase aposto que não voltou a fazê-lo).

Sem me querer armar em Lobsang Rampa, e com a garantia óbvia de não possuir quaisquer dons paranormais, se nada mudar, é fácil imaginar o desfecho para Lisboa das eleições autárquicas 2025. Mas depois, aqui-d'el-rei. Não chega "ganhar contra tudo e contra todos", como afirmou no discurso de vitória. Se quer manter-se presidente da Câmara Municipal de Lisboa, terá de fazer muito mais do que alimentar o ego. Ou será que tanto lhe faz e, se perder em 2025, terá sempre a Presidência da República em 2026?

Na entrevista (e noutras) referida acima, Carlos Moedas afirmou que falta escrutínio em Portugal. "Falta ao nível de Lisboa, mas também falta a nível nacional". De acordo. Por isso mesmo me parece importante ir assinalando algumas contradições.